Intérprete da ambiciosa Bárbara da série Reality Z, atriz Priscila Assum fala ao Próximo Capítulo sobre a experiência de estrelar uma série zumbi e sobre os planos para depois da pandemia
Na série Reality Z, produção nacional da Netflix, o Rio de Janeiro enfrenta um apocalipse zumbi enquanto Bárbara se refugia no programa Olimpo, espécie de Big brother Brasil. Ela realiza o sonho de estar ali, numa atração televisiva, mesmo com o mundo literalmente acabando. Fantasia total?
Nem tanto. A atriz Priscila Assum, que vive Bárbara nesse misto de drama e aventura, reflete que estamos vivendo um apocalipse, só que sem os monstros da ficção. “Acho que esse modelo de sociedade que vivemos atualmente está à beira do caos e que esse nosso colapso de uma certa forma está espelhado nesse mote de apocalipse zumbi. Que apocalipse zumbi é esse que estamos vivendo? podemos nos perguntar”, provoca a atriz, em entrevista ao Próximo Capítulo.
“O texto (da série) aborda muitos temas atuais, reflexo dos tempos que estamos vivendo. Como a disputa pelo poder, a falta de diálogo, não há mais escuta, todos tentam fazer com que suas idéias prevaleçam sobre a dos outros”, continua.
Fora da série, Priscila confessa que não era uma fã de atrações com zumbis, mas, por indicações de amigos se rendeu a The walking dead e aprovou. Os reality shows em que as pessoas ficam confinadas numa casa também não eram os preferidos de Priscila. Mas a pandemia de covid-19 pregou uma peça na atriz e, isolada socialmente, ela se viu envolvida pelo BBB deste ano.
“Logo nas primeiras semanas do programa entramos em quarentena por causa da pandemia e acabamos atraídos por aquelas pessoas que de uma certa forma estavam na mesma situação de confinamento. Acho que rolou uma empatia. Comecei a acompanhar pra ver o parceiro de profissão e amigo Babu e, no final, estava super envolvida com todas as questões relevantes que foram debatidas dentro da casa e, consequentemente, fora dela”, conta a atriz, avisando logo e aos risos que ela não participaria de um BBB. Deixa esse milhão para a Bárbara!
Entrevista// Priscila Assum
Reality Z é uma série de zumbis, que é quase um gênero entre as séries. Você gosta desse tipo de produção?
Tenho amigos que curtem muito e me indicaram The walking dead e lembro que curti bastante. Adoro diversificar o quanto posso um trabalho do outro. Por isso quando fui chamada pra fazer Reality Z fiquei super curiosa pra saber como seria gravar a primeira série de zumbis brasileira. E quando soube do time todo que estaria envolvido fiquei encantada. Pessoas com quem eu já havia trabalhado e de quem sou fã, como a Carla Ribas, que trabalhei em O mecanismo e o Emílio de Melo com quem trabalhei em O outro lado do paraíso. E ainda tive a oportunidade de trabalhar com Claudio Torres, criador e diretor da série e por quem sempre tive vontade de ser dirigida. Então quando rolou fiquei mega feliz. Trabalhar com ele e com Rodrigo Monte, que também dirige a série, e toda a equipe que estava nesse projeto foi muito estimulante e divertido. Um set descontraído e com todos dando o melhor de si.
Sua personagem, Bárbara, é fã de reality show. Você também é?
Acabei ficando realmente fã desse último BBB. Aliás eu e muitos, né? Talvez esse BBB tenha tido uma das maiores audiências de todos os tempos. Logo nas primeiras semanas do programa entramos em quarentena por causa da pandemia e acabamos atraídos por aquelas pessoas que de uma certa forma estavam na mesma situação de confinamento. Acho que rolou uma empatia. Comecei a acompanhar pra ver o parceiro de profissão e amigo Babu e no final estava super envolvida com todas as questões relevantes que foram debatidas dentro da casa e consequentemente fora dela.
A Bárbara sonha em entrar no reality show Olimpo. Você participaria de um reality nesses moldes ou de alguma outra forma?
A Bárbara, minha personagem, tem o sonho de fazer parte do time do Olimpo. Eu, Priscila, nos moldes do Olimpo, acho que não. (risos)
A série tem o apocalipse zumbi como mote. Acha que estamos perto de um apocalipse social, mas sem os zumbis?
Acho que esse modelo de sociedade que vivemos atualmente está à beira do caos e que esse nosso colapso de uma certa forma está espelhado nesse mote de apocalipse zumbi. Que apocalipse zumbi é esse que estamos vivendo? Podemos nos perguntar.
O texto acaba dialogando com essa realidade abordando temas como a disputa pelo poder, não?
O texto aborda muitos temas atuais, reflexo dos tempos que estamos vivendo. Como a disputa pelo poder, a falta de diálogo, não há mais escuta, todos tentam fazer com que suas idéias prevaleçam sobre a dos outros.
Reality Z foi criada bem antes da pandemia — é baseada em uma minissérie britânica. Como acha que a série pode dialogar com os tempos de isolamento social?
Reality Z foi inspirado em Dead set, de Charlie Brooker. Certamente há pouco tempo se ouvíssemos a ideia de uma casa de um reality ser um dos lugares mais seguros para se sobreviver à uma invasão zumbi ela iria nos parecer no mínimo fantasiosa. E hoje, pelo contrário, espelha esses nossos tempos pelo fato de estarmos no meio de uma pandemia e confinados em nossas casas tentando nos manter seguros da invasão desse vírus letal, que forçou o mundo a parar. E soma-se a isso o fato de há pouco tempo termos tido a companhia do BBB, esse famoso reality, para nos ajudar a passar por uma das fases dessa quarentena. A série é uma das mais assistidas, não só no Brasil, mas em vários países do mundo, o que mostra que ela está dialogando bem com o público nesse período de isolamento.
Você se prepara para estrelar um monólogo no teatro. O que pode adiantar sobre o espetáculo?
Esse solo nasceu de uma necessidade de expressar minhas ideias. Foi escrito por mim nesse período de isolamento. E talvez isso tenha refletido no fato de ser um solo. A mulher desse espetáculo traça um paralelo de sua crise de ansiedade com a crise mundial que forçou o mundo a parar. Enxerga nessa “pausa forçada” uma oportunidade para olhar para si e se reconhecer em meio às inúmeras máscaras que havia criado para dar conta de ser a mulher ideal. O público poderá acompanhar o que se passa na cabeça dela através dos diálogos que ela trava consigo mesma e com as máscaras que criou para si. Essas máscaras servem como um olhar crítico e irônico às situações vividas por essa mulher, pois como ela mesmo fala, o relacionamento que ela mais torce para dar certo é entre ela e sua própria mente.
Essa peça fala sobre a ansiedade de uma mulher de 30 anos. A idade é uma questão para você?
A peça fala da questão da ansiedade. Esse mal do século que, para muitos, a pandemia serviu para agravar e que engloba ainda ataques de pânico e outras fobias. O Brasil é campeão mundial de pessoas ansiosas e o sexo feminino é o que mais sente as consequências – 7,7% das mulheres são ansiosas. A idade não é uma questão pra mim e sim o acúmulo de funções que uma mulher exerce, dividida entre casa, filhos e trabalho, que pode ser insano. Mas percebo que há a cobrança por um parceiro. Quando se tem o parceiro, cobra-se por filhos. Quando se tem filhos, a cobrança para que o corpo da mulher volte a forma é vista em fotos estampadas em revistas ou sites de mães/modelos e seus corpos perfeitos. Isso sem entrar nas cobranças profissionais, na questão de remuneração salarial. Tentando corresponder a toda essa demanda, a mulher dessa peça acaba entrando na chamada “rodinha do hamster”, é parte da engrenagem que ela mesma criou e alimenta. E não há nada que faça a roda parar de girar, a não ser uma pane. Porém ela fará uso da crise para olhar fora de todos esses padrões. Propõe a si uma espécie de desconstrução e aproveita a pausa forçada para se redescobrir.
Qual será o futuro do teatro, que depende da plateia e muitas vezes do contracenar, após a covid-19? Já dá para traçar um prognóstico?
Estamos todos justamente nesse momento, tentando entender essa nova maneira de estar em cena. Existem algumas iniciativas que estão sendo colocadas em prática durante a pandemia reunindo a arte teatral com a tecnologia para propor uma nova maneira de contar histórias à distância. É interessante notar o estímulo a formar novas plateias, já que democratiza a experiência artística muitas vezes restrita aos grandes centros. Notei isso ao encenar cenas de ficção inéditas que fiz com o Clube da Cena, projeto idealizado por Cristina Fagundes e que ainda conta com interação virtual do público da live. Pessoas do mundo inteiro têm acesso àquele conteúdo. Como também vejo em iniciativas como a do Teatro Petra Gold de exibir monólogos com uma pessoa na plateia e plateia virtual, como percebo em teatros do mundo inteiro que liberaram acesso aos seus espetáculos, balés e óperas. Somos criativos. Encontramos maneiras de estar em cena. Acredita-se que num primeiro momento pós pandemia haverá uma tendência pelos monólogos, justamente por ter menos contato. Mas com alguns teatros no mundo já reabrindo suas atividades, mesmo que com inúmeras restrições e uma maior distância entre o público e os atores em cena, ainda assim tenho esperança de num futuro não muito distante poder contar com uma platéia física cheia.
Você participa do coletivo teatral Clube da cena. Como é o trabalho de vocês?
É um coletivo de atores, diretores e autores, funciona como uma espécie de gincana teatral. Determina-se um tema, os autores têm uma semana para escrever uma cena e depois disso os atores e a direção tem uma semana pra colocar a cena de pé. Já fizemos mais de 8 temporadas no Rio de Janeiro e, dessa vez, nos aventuramos nesse novo formato de lives que chamamos de Clube da Cena Lives, com cenas de ficção inéditas para serem encenadas durante a live. Após exibirmos a cena o público têm a oportunidade de dirigir uma versão da mesma, dando sugestões de emoções e ações para os atores. E aí vira uma verdadeira brincadeira. Temos que estar super atentos aos comandos do público da live a ao mesmo tempo ao outro ator que contracena com você da casa dele. Um grande exercício de escuta.
Em sua carreira, você acabou fazendo mais séries e seriados do que novelas. Foi uma opção ou aconteceu?
Até hoje fiz duas novelas. Em O outro lado do paraíso muitas pessoas que ainda não tinham tido acesso ao meu trabalho me conheceram. A TV aberta é muito poderosa, a interação com o público é imediata porque você grava uma cena que às vezes vai ao ar no mesmo dia ou na mesma semana, então a resposta sobre o seu trabalho é rápida. E por se tratar de uma obra aberta tudo pode acontecer. Espero repetir em breve essa experiência. Adorei e tenho muito a aprender ainda. Nas séries, trata-se de uma obra fechada, sua personagem tem uma curva dramática já estabelecida, um início, meio e fim já definidos e muitas vezes o público e nós mesmos da equipe só temos acesso ao resultado final quando esta já foi toda gravada. E é super interessante ver no que se transformou aquele trabalho, agora com todas as peças de seu quebra-cabeça já reunidas. Acho o máximo!