Durante o processo de criação do espetáculo BIRD, no qual uma menina acorda um dia de barba e passa a refletir o que aquilo significa, Bernardo de Assis foi sentindo-se cada vez mais tocado e representado pelas cenas. Na estreia, Bernardo já sabia que era um homem ー e não uma menina como até então era visto. Desde então, o ator de 25 anos vem levando as questões da transexualidade às produções que estrela nos palcos e nas telas.
“Hoje sou conhecido enquanto artista trans, mas espero ser reconhecido enquanto artista”, afirma Bernardo, que atualmente vive Catatau na novela Salve-se quem puder, sempre procurando levar naturalidade à discussão trazida pelo personagem.
Antes de Salve-se quem puder, Bernardo esteve nas séries Nós (Canal Brasil), Noturnos (Canal Brasil) e Todxs nós (HBO). “Eu diria que fazer somente personagens trans não é necessariamente uma escolha, mas, sim, uma consequência. Ainda estamos descobrindo como naturalizar essa temática. Então me sinto muito feliz e responsável por exercer tantos papéis que podem contribuir nessa jornada. A arte sem dúvidas é um espaço de muita comunicação e aprendizado. E no atual contexto em que vivemos, o panfletário ou o explícito podem ganhar diferentes visões e significados”, ensina.
Na entrevista a seguir, Bernardo fala sobre Salve-se quem puder, sobre representatividade e sobre Bhoreal, curta-metragem que marcou a estreia dele na direção. Confira!
Qual é a importância de termos um ator trans vivendo um personagem trans na novela?
Por muito tempo, as narrativas e vivências trans foram contadas a partir do ponto de vista de pessoas cisgêneras. Mas, graças à representatividade e à conquista de direitos, estamos cada vez mais ocupando os espaços e mostrando que, sim, existem profissionais talentosos e que também são transgêneros.
A naturalidade com que a trama do Catatau é tratada em Salve-se quem puder ajuda a quebrar preconceitos e paradigmas sociais?
Creio que sim. O fato de ser trans é só mais uma característica do Catatau. Eu acho ótimo que a narrativa criada por Daniel Ortiz aborde essa questão, mas não se limite a ela. Existem muitos caminhos que um personagem trans pode ir, não só o da violência ou da disforia.
Como vê a possibilidade de Catatau e Renata engatarem um romance? O público está preparado para isso?
Não sei dizer se o público está ou não preparado, mas pessoas trans existem e estão vivendo suas vidas. Catatau e Renatinha ー caso fiquem juntos ー podem representar muitos casais cis-trans que estão por aí.
Suas escolhas profissionais quase sempre recaem sobre esse tema. A arte é uma forma de você falar sobre a transexualidade sem necessariamente ser panfletária ou explícita e, dessa forma, atingir mais pessoas?
Eu diria que fazer somente personagens trans não é necessariamente uma escolha, mas, sim, uma consequência. Ainda estamos descobrindo como naturalizar essa temática. Então me sinto muito feliz e responsável por exercer tantos papéis que podem contribuir nessa jornada. A arte sem dúvidas é um espaço de muita comunicação e aprendizado. E no atual contexto em que vivemos, o panfletário ou o explícito podem ganhar diferentes visões e significados.
Como foi fazer essa transição já sendo ator? Teve medo de não ser mais aceito, de as pessoas só lembrarem da atriz que você foi?
Isso acabou acontecendo no início da transição, quando eu não tinha mais espaço no teatro, por exemplo. Não era mais atriz, mas também não era considerado ator. Foi no audiovisual que eu pude mostrar o meu trabalho e as coisas começaram a mudar. Hoje sou conhecido enquanto artista trans, mas espero ser reconhecido enquanto artista.
Você fez Nós (Canal Brasil), Noturnos (Canal Brasil) e Todxs nós (HBO). Falar sobre transexuais é mais fácil na TV fechada?
Falar sobre a transexualidade é delicado em qualquer lugar, pois ainda estamos condicionados a reconhecer um único estereótipo de pessoa trans. Quando nossos corpos e vivências forem naturalizados e respeitados na sociedade, com certeza não será mais tão difícil a abordagem na arte.
A Globo está reprisando A força do querer, na qual Ivana (Carol Duarte) se descobre Ivan. Você considera que essa novela meio que abriu o caminho para que a discussão entrasse na lista de temas possíveis da teledramaturgia?
Por ter sido vivido por uma atriz cis, infelizmente o personagem acaba sendo lido enquanto mulher por parte do público. Mas, sem dúvidas, a temática acabou chegando em muitos lugares. É importante reconhecer que desde 2017, quando a novela foi ao ar, a discussão vem crescendo e ganhando espaço principalmente na mídia.
Este ano você lançou seu primeiro curta-metragem, Bhoreal. O que pode dizer desse projeto?
Bhoreal nasceu graças ao curso Audiotransvisual, que foi uma formação oferecida pelo cineasta André da Costa Pinto – de forma remota e gratuita – a 30 pessoas trans de todo o Brasil. Esse documentário aborda a vida da drag queen Gervásia Bhoreal, que durante o período da pandemia, vem realizando trabalhos sociais com moradores de rua da cidade de São Paulo. O filme teve sua estreia na Mídia Ninja e recentemente foi exibido no Festival de Cinema de Vitória. Em breve, Bhoreal também estará no Festival For Rainbow, que acontece de 12 a 18 de dezembro.
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