A produção da Netflix do cineasta Spike Lee, Destacamento Blood, faz crítica a como os negros são tratados nos Estados Unidos por meio de um recorte sobre a Guerra do Vietnã
Por Pedro Ibarra*
Em meio a onda de protestos contra o racismo estrutural, Spike Lee lança Destacamento Blood, um filme que usa da participação dos negros na Guerra do Vietnã para discutir a forma como o povo afro-americano é tratado pela própria nação e como eles precisam colocar a vida em risco em nome de um país que os priva de direitos básicos.
O longa acompanha quatro homens negros veteranos da Guerra do Vietnã em um retorno — décadas depois — ao país asiático em busca de um tesouro que haviam deixado para trás e dos restos mortais do quinto integrante do grupo, chamado Destacamento Blood. O filho de um dos ex-cadetes, David (Jonathan Majors), também se junta à viagem. Na volta às selvas vietnamitas, eles precisam lidar com cansaço, desgastes da idade, traumas das batalhas e fantasmas do passado.
“Guerra é sobre dinheiro e dinheiro é sobre guerra”. A frase do personagem Stomin’ Norman, vivido por Chadwick Boseman — apenas em flashbacks –, é algo que permeia a história do tesouro e a relação dos protagonistas. Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Melvin (Isiah Whitlock Jr.) e Eddie (Norm Lewis) precisam lidar com o reencontro e com os pesadelos que possuem com o país, enquanto entendem que a importância da riqueza escondida vai além da questão financeira. É sobre ser um Blood.
Contudo, o retorno de um grupo de norte-americanos ao Vietnã também tem um significado para os nativos do país. Muitos enterraram entes queridos em decorrência da guerra que durou 20 anos e gerou perdas irreparáveis para o lado asiático. Os americanos que sobreviveram ao Vietnã voltaram para as famílias, mas os vietnamitas tiveram que conviver com um território arrasado e alguns alimentaram uma raiva dos estadunidenses.
Crítica de Destacamento Blood
Por mais que seja um recorte menor e ficcional sobre os acontecimentos na Guerra do Vietnã, Destacamento Blood faz críticas atuais e pertinentes com base em números e discursos reais sobre os negros na Guerra. O que o longa transmite é que os afro-americanos precisam lutar todos os dias para terem direitos iguais aos brancos dentro do próprio país. Mas quando os Estados Unidos entram em guerra, eles são escolhidos para atuar na linha de frente de uma luta que ainda não é a deles.
A produção Netflix é sobre homens que buscam conseguir com as próprias mãos a reparação histórica. Contudo, eles ainda são atormentados por histórias que eles mesmos viveram e pelo cotidiano de serem veteranos de guerra jamais retratados como heróis, ou pelo menos participantes de um período muito sombrio nos EUA.
Na parte técnica, a produção da gigante do streaming acerta em escolhas como mudar o formato da tela para flashbacks, o que passa uma atmosfera acertada e real sobre a guerra. A produção não tem medo de arriscar em linguagens mais rebuscadas como quebras da quarta parede. O roteiro é uma narrativa bastante circular que fecha todas as pontas abertas e traz uma forte sensação de dever cumprido na execução de Spike Lee. As atuações são consistentes, com um destaque para o perturbado Paul, interpretado por Delroy Lindo.
O filme toma outro caráter quando visto da perspectiva de 2020. Com manifestantes nas ruas em nome de negros mortos injustamente pela polícia, como George Floyd, Breonna Taylor e Eric Garner. A mensagem se expande para não só o grupo afetado pela guerra, mas mostra que a luta negra no país é diária e local. Os afro-americanos vivem uma guerra todos os dias dentro dos bairros contra quem está ali para protegê-los. Eles precisam reafirmar continuamente a importância das próprias vidas e são esquecidos dos livros de história.
Destacamento Blood entrega o que propõe e realmente dá uma nova visão sobre a participação dos afro-americanos em guerras, com referências a longas como Apocalipse now, de Francis Ford Coppola, e Rambo, que mostram o Vietnã sem dar nenhum espaço aos negros. O filme escancara verdades pouco visitadas e por um motivo alheio e inesperado tem o discurso proposto potencializado pela onda de manifestações antirracistas. O longa dialoga com momento vivido no mundo e passa uma mensagem necessária, urgente e que soa como novidade ao público em busca de bons títulos na plataforma de streaming.
*Estagiário sob supervisão de Adriana Izel