Aos 42 anos, Mel Lisboa celebra uma carreira sólida pontuada por trabalhos que vão desde a personagem-título da minissérie ‘Presença de Anita’, sua estreia na televisão, ao musical ‘Rita Lee mora ao lado’
Por Patrick Selvatti
Ainda que a fisionomia jovial de 22 anos atrás não a abandone, Mel Lisboa, 42 anos, se distancia a léguas da personagem que a revelou para o mundo, em Presença de Anita, minissérie exibida pela Globo em 2001. A partir da ninfeta que literalmente incendiou a televisão brasileira, a atriz gaúcha construiu uma carreira sólida e madura, marcada por mulheres fortes e empoderadas. Exemplos disso são a sedutora e perigosa Dalila da novela Sansão e Dalila (2011), na Record, a transgressora Thereza, da série Coisa mais linda (2019/20), na Netflix, e, especialmente, a rainha do rock do Brasil, que ela interpretou no musical Rita Lee mora ao lado — que, em cartaz de 2014 a 2016, foi aclamadíssimo pela crítica e pela própria musa inspiradora. “Eu acho que, de certa forma, eu busco e, ao mesmo tempo, atraio esse tipo de personagem, porque é o que me desafia”, afirmou a artista ao Próximo Capítulo.
A pandemia do novo coronavírus foi um divisor de águas nesta fase madura de Mel Lisboa Alves, uma capricorniana inquieta que estava prestes a completar 40 anos no período conturbado que o mundo atravessou. Após o cancelamento da temporada de Malhação que protagonizaria, a gaúcha inspirada e ativa se juntou a Seu Jorge na criação de um podcast de ficção científica, original Spotify, chamado Paciente 63, que narra a história de um viajante do tempo que vem do futuro para alertar sobre o fim do mundo ocasionado por um vírus que assola a humanidade. Na mesma época, a intérprete da lendária Anita, sentindo necessidade de se conectar consigo mesma, conheceu a história da escritora russa Helena Pretovna Blavátskaya — “o que me levou a acessar respostas que não encontrava em lugar algum”, explicou.
Ainda no período pandêmico, porém, já vacinada e sem as restrições sociais que inviabilizaram diversos projetos, Mel decidiu produzir o espetáculo Madame Blavatsky — Amores Ocultos, de Cláudia Barral, trabalho que a desafiou a produzir — sem patrocínio — e protagonizar um monólogo, ao mesmo tempo em que se dedicava ao retorno às novelas — após um jejum de sete anos —, como a vilã Regina, de Cara e coragem (2022), na Globo. E a artista está ligada nos 220 volts. Após se despedir das duas personagens, a elétrica camaleoa segue nos palcos, como a diabólica protagonista de Misery — adaptação do romance de Stephen King, um sucesso da Broadway em cartaz em São Paulo até o fim deste mês —, filma a série Luz — a primeira produção infanto-juvenil da Netflix, ainda sem previsão para ser lançada —, e garante que irá retomar a jornada solitária e visceral de Blavatsky no teatro. “Espero fazê-la até o fim dos meus dias”, prometeu.
O que representou para você ter dado vida a Rita Lee no musical em homenagem a ela e na série sobre Elis Regina?
Eu acho que é uma honra, um privilégio enorme ter tido a chance de interpretar a Rita Lee e de essa ter sido marcada como a atriz que a personificou. Acho a Rita Lee uma das maiores artistas que a gente já teve neste país e no mundo. Uma mulher realmente revolucionária, única. Nunca houve, nunca haverá ninguém como a Rita Lee, e eu sinto um orgulho muito grande de ter feito o musical, de ela ter assistido, de ela ter gostado, de os fãs gostarem do trabalho. Realmente, para mim, é muito gratificante.
Conta como era a relação com ela…
A minha relação com a Rita Lee sempre foi de muito, muito amor, muito respeito, muita admiração. É uma admiração, assim, infinita! E ela também, eu sei que gostava de mim e que a gente estava conectada. Mesmo longe estávamos conectadas, e sinto que seguimos conectadas.
Assim como Rita Lee, sua carreira é marcada por interpretar mulheres fortes, empoderadas. E isso começou logo no primeiro trabalho, que foi Presença de Anita…
Eu tenho a sorte de ter tido, na minha carreira, personagens tão marcantes. Acho que, de certa forma, eu busco e, ao mesmo tempo, atraio esse tipo de personagem porque é o que me desafia. Mas eu já interpretei algumas mocinhas, não tanto talvez na TV aberta, mas no teatro, sim, já fiz algumas, até clássicas, tipo Desdêmona, de Otelo, ou mesmo uma personagem chamada Mocinha, no musical Roque Santeiro. Mas a maioria dos meus personagens são mulheres ousadas e com personalidade forte. Porém, há vários tipos de personagem, como a Helena Blavatsky, que eu acho que não se encaixa em nada disso. É um outro lugar, de uma mulher que também é forte, mas dentro de um âmbito da filosofia, da espiritualidade.
Falando em Anita, a minissérie, disponível no Globoplay, é um estrondoso sucesso, mas dificilmente teria o mesmo efeito hoje. Você concorda?
A relação de Anita e Fernando (personagem de José Mayer) envolve assédio, abuso, agressão física, verbal, psicológica… Envolve uma série de coisas e eu acho que talvez Presença de Anita teria dificuldade de ser aceita da maneira que foi feita, como foi contada. Acredito que, hoje em dia, a história seria contada de uma outra forma, porque não é que essas coisas deixaram de existir, mas a gente quer dar um outro olhar para esse tipo de situação. Penso que, principalmente, a questão do protagonismo feminino, no sentido de as mulheres contarem suas próprias histórias. Acho que seria diferente. O assunto continua, infelizmente, bastante atual.
Você esteve recentemente em um projeto essencialmente feminista, que foi a série Coisa mais linda, da Netflix. Você se sente em casa com esse tema?
O feminismo sempre esteve presente na minha vida. Fui criada por uma mãe solo, com uma outra irmã, sempre tive com mulheres na minha vida, amigas, avós, avós separadas. Essa é uma questão de consciência e de sensibilização. Você começa a dar nome às coisas e também a perceber a pluralidade do feminismo, os feminismos, as outras esferas do tema. Eu gosto de estudar sobre.
Nesses 22 anos, você teve pouca presença na TV aberta. Antes de Cara e coragem, foram sete anos de hiato. Há algum arrependimento de ter ficado tanto tempo longe?
Olha, eu não me arrependo porque não foi, de fato, uma opção minha. Foi o que a vida foi me proporcionando e eu fui agarrando as oportunidades que eu tive e traçando a minha carreira de uma outra forma e, hoje, eu tenho a minha trajetória também devido a isso.
Sou grata à história que eu venho construindo. Mas gosto muito também da TV aberta, adorei ter feito a novela (Cara e coragem) ano passado e espero que apareçam novas oportunidades em breve. Farei com o maior prazer.
Como foi essa jornada de atuar sozinha nos palcos no monólogo Madame Blavatsky — Amores Ocultos?
Protagonizar um monólogo foi muito engrandecedor. Um aprendizado diário também, porque o texto da Cláudia Bahal, a direção do Marcos Macena, tudo nessa peça me ensina muito. A própria Helena Blavatsky tem os ensinamentos dela. Estar sozinha no palco é um processo diferente, mas que eu tenho gostado bastante. E a produção é minha, né? Eu idealizei esse projeto… Ele não tem patrocínio. Sinto que é como se fosse um filho meu. Tenho muito orgulho. Acho uma peça atemporal e universal. Eu vou voltar com a Madame Blavatsky, eu só não tenho ainda a data, nem o teatro, mas vou voltar. Espero fazê-la até o fim dos meus dias.
Mel Lisboa é mãe de dois adolescentes, Bernardo e Clarice. O que a maternidade mudou na sua vida?
A maternidade traz muitas coisas. Primeiramente, eu acho que muda o eixo do seu olhar para a vida. Ela passa a ir para além de você. Mas são muitas coisas, é muito complexo, são muitos sentimentos. Muito aprendizado, na verdade, porque a gente nunca sabe o que fazer, todo dia é um desafio. E um amor que cresce a cada dia, que se desenvolve e que é isso que vai se moldando também com essa relação que você tem com você e vai construindo com seus filhos. Enfim, muitas mudanças. Eu sou hoje para além da minha maturidade, pelas minhas experiências, seguramente sou uma pessoa diferente por conta da maternidade, por conta de ter tido dois filhos. Eu aprendo com eles até hoje.