Voyeur, da Netflix, e as várias camadas da realidade

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Documentário Voyeur questiona o valor da verdade e apresenta a dualidade entre a realidade e a ficção.

“Podem me chamar de tarado. Estou preparado para isso” e “histórias não envelhecem e nunca morrem”. Extraídas do roteiro de Voyeur, documentário original da Netflix, as frases dão o tom do que o público verá.

Os diretores Myles Kane e Josh Koury tentam dissecar a polêmica do livro The Voyeur’s Motel, de Gay Talese. O escritor e jornalista escreveu uma obra sobre Gerald Foos, que teria observado casais em um motel que mantinha no Colorado por meio de buracos nos tetos dos quartos. Depois de apurar toda a história com Gerald, Talese escreveu o livro, mas se deparou com um problema: entrevistas na imprensa americana apresentaram incongruências entre o que seria publicado e o que realmente aconteceu. Com medo de publicar uma história errada, a editora acabou cancelando o lançamento do livro, mas depois voltou atrás.

Detalhes como a paixão de Gau Talese pela alfaiataria estão em VoyeurDetalhes como a paixão de Gau Talese pela alfaiataria estão em Voyeur
Detalhes como a paixão de Gau Talese pela alfaiataria estão em Voyeur

Um dos méritos de Voyeur, o documentário, é ter várias camadas que nos lançam a questões que vão de ética jornalística (coleguinhas, não deixem de assistir! Relação com a fonte, confiar sem desconfiar e outros conceitos do meio estão na tela) a noções de verdade, realidade e ficção.

Numa estrutura que nos remete a um documentário dentro de outro documentário, há duas espécies de eixos: um conduzido por Talese e o outro, por Foos.

Na primeira narrativa, entramos em contato com um mundo encantador. Talese é um excelente personagem. Aos 80 anos, guarda registros de várias entrevistas e recortes do que foi publicado. Vaidoso, é um entusiasta da alfaiataria. Inspirado, dispara boas frases de efeito durante todo o documentário. A trajetória dele nos conduz à história de Gerald Foos, desde quando o escritor a descobriu até a carta enviada solicitando um primeiro contato ー tudo está ali, à vista do telespectador. Inclusive uma tabela elencando e classificando as modalidades sexuais registradas por Foos.

Quando conhecemos Gerald Foos, percebemos de cara o quão bom personagem e bom de lábia ele é. Não à toa deu um nó na cabeça de Talese com suas mirabolantes e saborosas histórias. Também não é à toa que nos envolve e nos faz acreditar em tudo o que está sendo dito, mesmo que saibamos da verdade se conhecermos a história real. Mas o que é verdade, o que realmente aconteceu naqueles quartos?

Talvez para o documentário isso seja o que menos importa. Importa muito mais lançar-se às reflexões, muito oportunas em dias em que tudo que lemos no feed de notícias do Facebook vira verdade. E que essas verdades são ardorosamente defendidas, sem se permitir ao menos ouvir as discordâncias.

Vinícius Nader

Boas histórias são a paixão de qualquer jornalista. As bem desenvolvidas conquistam, seja em novelas, seja na vida real. Os programas de auditório também são um fraco. Tem uma queda por Malhação, adorou Por amor e sabe quem matou Odete Roitman.

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