Por Khalil Santos
Um dos mangás e animes mais populares da história, ganhou sua aguardada adaptação com “pessoas reais”. One Piece estreou na Netflix e caiu por terra com a falácea de que animes não podem ser adaptados para live-action. O esforço da gigante vermelha do streaming já foi bem recompensado com a série assistida por mais de 18 milhões de pessoas na semana de lançamento e posicionada no Top 10 de 93 países ao redor do globo.
One Piece é um mangá japonês, denominação para o quadrinho asiático lido detrás para frente, mais comercializado de todos os tempos, com cerca de 500 milhões cópias vendidas no mundo. Criado por Eiichiro Oda em 1997, o mangá conta a história de Luffy e sua tripulação do navio Chapéu de Palha em busca do tesouro lendário One Piece. Ele lista entre as histórias mais longas contadas no gênero do mangá, e sua adaptação em anime (Desenho japonês) figura também entre os mais longos, contando hoje com 1074 episódios lançados.
Os números só demonstram a magnitude que a franquia possuía antes da adaptação, a vontade de fomentar uma comunidade de One Piece foi tanta na plataforma, que no mesmo ano em que o live-action foi anunciado, a Netflix trouxe o anime para o seu catálogo e ainda dublou seus episódios para torna-ló mais acessível. Um movimento que refletiu só agora em grande escala, quando as viúvas da série procuraram a continuação dos eventos retratados no live-action. Falando deles…
A história de One Piece começa quando o intitulado Rei dos Piratas, Gol D. Roger é capturado pela marinha e está prestes a ser executado, mas antes lança uma charada aos presentes: “Minhas riquezas e tesouros? Se vocês quiserem, eu os deixo pegar. Procurem por ele, deixei tudo naquele lugar!”. Com essas palavras ele deu início a Grande Era dos Piratas, onde todos foram ao mar em busca do tesouro perdido e misterioso, o One Piece.
Esse é o princípio da jornada, a verdadeira trama começa anos depois, quando Monkey D. Luffy parte ao mar em busca de realizar seu sonho de se tornar o Rei dos Piratas. A inocência do rapaz é tanta que quando ele decide se aventurar pelos mares, Luffy nem tem noção alguma sobre como navegar.
Inãki Godoy assume a personalidade elétrica e inabalável de Luffy, que no mangá é um protagonista animado e cego por um sonho que busca alcançar mesmo que lhe custe tudo, movimento parecido com o de outros famosos protagonistas da mídia como Naruto, Gon, Goku, Midoriya e Hinata. Esse arquétipo não é tão utilizado em obras ocidentais, então poderia gerar uma indiferença no público. Porém, esse lado de olhar o Luffy como um bobo animado é visto pelos personagens da própria obra, inicialmente com Mackenyu, que interpreta o caçador de piratas sisudo Roronoa Zoro, e Emily Rudd, como a ladra esperta Nami.
A dinâmica inicial do elenco gira entorno desse estranhamento dos personagens, mas assim como no mangá, o trio de Romance Dawn se complementa nos dois primeiros episódios e demonstra uma transposição excelente das características feitas por Eiichiro Oda para um público diferente. Tão potente que, ainda assim, ressoa com os fãs de One Piece.
Os roteiristas Matt Owens e Steve Maeda, apesar de se manterem fiéis ao material original de Oda, resolveram se aproveitar informações de capítulos mais distantes para fortalecer o enredo da primeira temporada, focando os episódios em desenvolver a motivação de cada um dos tripulantes. Todos têm o próprio momento de contar o porquê buscam seus sonhos e revelar seus passados traumáticos nas águas de East Blue. A única figura que foge essa lógica é Usopp, interpretado por Jacob Gibson, que de longe foi o personagem mais deixado de lado pela adaptação, mesmo fiel à inspiração original, ficou muito fora do holofote. Em seus dois episódios, ele não faz muita coisa, e o foco é desviado para contar o passado de Zoro e sua relação com o mundo das espadas.
Um personagem ganhou uma adaptação quase melhor do que a sua versão de papel foi o cozinheiro elegante Sanji, interpretado por Taz Skyler, que além de entregar com primor o jeito cafajeste e convencido do personagem, mostra ainda um passado ipsis literis com o material original. Ele entrega um desfecho até melhor para a cultura ocidental, o que com certeza vai pegar pessoas que não eram fãs previamente da história.
Agora, um ponto fraco da série e que constantemente retorna é o núcleo da Marinha, que parece existir só para mostrar um “outro lado” que nunca chega em lugar algum. Nos episódios de Usopp, eles parecem perdidos com o que fazer com os membros deste núcleo e todos têm aparições jogadas no meio da trama.
Outro ponto, que é totalmente entendível, mas que pode decepcionar os fãs, está no fato das vilas dentro da série não são muito desenvolvidas, com as pessoas nelas sendo apenas figurantes. Enquanto no material original, em todos os lugares que os Chapéus de Palha aportam, Oda sempre faz questão de mostrar e relacioná-los com personagens secundários. Isso não chega a prejudicar a série, para quem não conhece o mangá, mas pode dar essa sensação de falta para os leitores de One Piece.
Luffy (ou a Netflix) ainda possui um problema maior com qual tem que lidar em um mundo onde existe mais água do que terra, seus poderes de Akuma no Mi ou também conhecida como Fruta do Diabo. Ela recebe esse nome, porque seus usuários perdem a habilidade de nadar depois que a comem, uma tremenda desvantagem no mundo de One Piece.
Um dos maiores enigmas para o live-action seria essa adaptação dos poderes para o mundo de carne e osso, já que na animação é muito mais fácil representar exageros gráficos porque a mídia permite. Contudo, podia facilmente destoar dentro do padrão “seriado fantástico” que a Netflix quis dar à One Piece. As duas que são bem destacadas na trama, é a de Luffy, a Gomu Gomu no Mi ou a Fruta da Borracha e a Bara Bara no Mi de Buggy, o pirata palhaço, os efeitos são aceitáveis, não matam a suspensão de descrença do público, ou seja, são críveis. Mas em relação a brigas, o destaque dos combates vai para Zoro e Sanji, os dois atores fazem muito bem as coreografias e a edição não fica constantemente cortando as lutas, o que deixa claro a movimentação e o entendimento dos golpes.
Enquanto a cenários e ambientes, a maioria (senão 100%) se passa em sets fechados. Entretanto, isso não tira a sensação de ambiente externo, com cenas com muita luz, e ambientação colorida. Vale um destaque para o barco restaurante, Baratie, que além de protagonizar os melhores episódios do seriado, foi construído em tamanho real para passar mais credibilidade ao espectador.
Animes e mangás sempre parecem inadaptáveis, graças as grandes diferenças culturais entre o ocidente e o oriente, e geralmente quem busca transpor essas obras remove muito das características que fazem delas únicas. Mesmo com essas barreiras, One Piece esfregou na cara de Dragon Ball Evolution, Cowboy Bebop e Death Note (As duas últimas produções da própria Netflix) que é, sim, possível se manter fiel ao material original e ainda assim fazer uma adaptação que enalteça o produto inicial e crie curiosidade em quem nunca o consumiu.
One Piece da Netflix é uma excelente porta de entrada ao mundo rico criado Eiichiro Oda, afinal adapta a maioria de seus personagens com exatidão, e demonstra como a história tem mensagens poderosas sobre o poder dos sonhos e dos laços construídos através da amizade.
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