Patrick Selvatti
Até os 18 anos, o sonho de Paulinho era muito claro: ser jogador de futebol. Era o que habitava no imaginário do garoto negro, o que a representatividade trazia como possibilidade de ascensão social para ele. Torcedor roxo do Flamengo, o menino carioca participou de algumas peneiras e chegou a receber proposta de um time europeu, mas os pais não permitiram que ele saísse do país. Ao ingressar na faculdade, optou pela fisioterapia, que era um curso próximo ao esporte pelo qual sempre foi apaixonado. Mas foi na rua, literalmente, que um novo caminho se abriu ao ser convidado para um teste de uma das maiores agências de modelo. Ele, que nem se achava bonito e sempre foi extremamente inseguro de si e das suas capacidades, agora, sim, viajou para o exterior. E descobriu que um rapaz preto poderia ter lugar no mundo, não necessariamente por meio do futebol e do samba/pagode, assim como milhares de garotos brasileiros acreditam.
Abraçado pelo mundo da moda, o já adulto Paulo conheceu também as artes cênicas, que se tornaram uma forte paixão. Apesar da resistência dos pais em acreditar que a arte poderia ser um caminho seguro para uma pessoa negra, ele já fazia cursos livres de teatro em meio às aulas de fisioterapia. E foi como modelo que viu as portas serem abertas para o mundo da TV. O primeiro trabalho, ainda como figurante, foi na novela Da cor do pecado (2004); o primeiro papel fixo veio cinco anos depois, como o médico Mário, de Viver a vida (2009); e, 13 anos depois, veio a consagração de uma jornada de muita luta e trabalhos espaçados, quando assumiu o posto de protagonista de Cara e coragem, em 2022. Em comum nesses três trabalhos marcantes, está o fato de serem novelas protagonizadas por Taís Araújo, que, nas duas primeiras, fez história por ser a primeira mocinha preta, respectivamente, na Globo (às 19h) e no horário mais nobre da emissora.
Para Paulo Lessa, hoje com 41 anos, é fundamental oferecer esse espelho aos jovens desta nova geração, para que garotos negros, como ele, não precisem sonhar apenas com a carreira de jogador de futebol. “Infelizmente, é onde eles se identificam, é onde eles conseguem se ver”, lamenta o ator, que experimenta, na carreira artística, algo que até pouco tempo tempo atrás não era palpável. “Eu não me via nessa posição, não havia possibilidade de protagonizar uma história”, observa, em entrevista exclusiva ao Próximo Capítulo.
A quebra desse paradigma de que artistas pretos não podem ter destaque foi iniciada lá atrás, com a colega de trabalho que protagonizou Xica da Silva, na extinta Manchete. Nos anos seguintes, porém, a jornada foi encorpada, com poucos nomes, como Camila Pitanga e Lázaro Ramos, por exemplo, ocupando uma posição de destaque nas produções de teledramaturgia. Somente agora, nos últimos dois anos, é que o movimento engrenou, abrindo espaço para que demais artistas da mesma geração, como Sheron Menezes, Samuel de Assis, Bárbara Reis, Diogo Almeida e o próprio Paulo, alcançassem esse lugar no Olimpo dos deuses predominante brancos.
“A possibilidade de a gente propor novas histórias, com narrativas diferentes, é fundamental para a construção de um novo imaginário. É fundamental para a gente impactar diretamente os jovens que estão vendo esses produtos acreditarem que é possível. A partir desse espelho, há um novo ânimo”, argumenta o ator. “O Ítalo (de Cara e coragem) veio afirmar, para mim, que eu poderia, sim, ser (como ator) o protagonista de uma história. E para mudar esse conceito também para muita gente que nunca se viu representada ali na tela. Esse espelho não existia”, comemora.
Trilhando uma estrada parecida com a de Taís Araújo, neste ano, logo na sequência de Ítalo, Paulo Lessa foi anunciado como um dos protagonistas de uma novela das 21h. Em Terra e paixão, ele dá vida, desde maio, a Jônatas, que disputa com Caio (Cauã Reymond) o coração da mocinha Aline (Bárbara Reis). “Ítalo e Jônatas são opostos: um é completamente urbano e o outro é totalmente rural. O ponto em comum é que os dois são apaixonados por mulheres empoderadas e têm esse amor como fio condutor da vida deles”, explica o ator, que enxerga a potência feminina como “revolucionária e sedutora”.
Assim como seus dois personagens, o carioca também sempre foi muito atraído por mulheres potentes. “Fui criado por uma grande mulher empoderada”, conta Lessa, que é filho da proprietária de um salão de beleza especializado em cabelo afro e tinha como clientes personalidades pretas como Antônio Pitanga, Benedita da Silva, Tony Tornado e Zezé Motta, entre outros. “Na nossa casa, a gente discutia muito, não só as questões raciais, mas o feminismo. A igualdade de gênero ainda está distante de acontecer, mas a gente caminha, a passos lentos, para que isso aconteça. Eu acho que é uma revolução que não vai retroceder. Ainda bem”, conclui o filho da trancista Idalice Moreira Bastos, a Dai, já falecida.
“Coragem e paixão seria o nome da minha novela. São duas palavras que definem muito a minha trajetória artística, principalmente. Coragem de abrir mão de uma carreira acadêmica, ali na fisioterapia, e me dedicar completamente às artes cênicas, e a paixão pela arte e pela profissão”, brinca ele.
Criado em Copacabana, em um universo onde a estética física predomina, o jovem Paulinho não se encaixava nesse padrão. “Eu fui um adolescente muito inseguro, com algumas questões de autoestima mesmo. Não me achava um cara bonito”, confessa ele, que se tornou um homem mais confiante ao receber uma injeção de autoestima quando se firmou no mundo da moda. Considerado hoje um dos principais galãs de novelas, ele não rejeita o título e nem mesmo se incomoda com a hipersexualização que ainda habita o imaginário coletivo quando se trata de um homem com a pele mais escura. “Eu aceito de braços abertos. Não vejo como algo ruim, não. É representatividade, mais um lugar a se ocupar. Por que não um homem negro ser o galã da novela, do filme, da série? Vejo muito como ocupação política, mais do que em respeito à minha vaidade”, avalia.
Casado com a cabo-verdiana Cindy Cruz, Paulo é pai de Jade, para quem deseja deixar como legado um mundo onde ela tenha a possibilidade de ser quem ela quiser. “Fazer o que ela queira sem ter que ficar prestando conta da vida dela para quem quer que seja. Eu sei que parece um pouco utópico, principalmente pela forma como o nosso mundo anda, mas é o que eu desejo”, observa. Para isso, o ator celebra o fato de estar no momento especial da teledramaturgia que irá ajudar a construir essa nova sociedade. “Grandes empresas, não só a Globo, mas todos os outros streamings que estão chegando aqui no Brasil, têm um ouvido e um diálogo mais abertos com tudo o que vem acontecendo na sociedade, e se interessam por essas novas histórias. Já estávamos, não só enquanto artista, mas como público, ávidos por essas narrativas. E eu estou fazendo parte dessa engrenagem, que é um movimento muito importante que veio, eu acredito, para ficar”, finaliza.
Ao Próximo Capítulo, os responsáveis pela série falam sobre o fato de ter se tornado…
Emissora apresentou os principais nomes do remake da obra icônica de 1988 que será lançada…
Ao Próximo Capítulo, a drag queen carioca fala sobre o sentimento de representar o Brasil…
Como nascem os heróis tem previsão de estreia no primeiro semestre de 2025, na TV…
Sam Mendes, Daniel Brühl, Jessica Heynes, Armando Ianoucci e Jon Brown comentam sobre a nova…
Volta Priscila estreou na última quarta-feira (25/9) e mostra um novo ponto de vista sobre…