Boots
Boots Boots: entre a comédia e o drama, produção tem identidade própria — Crédito: Courtesy of Netflix/Courtesy of Netflix © 2025 - © 2025 Netflix, Inc. Boots

‘Boots’ tem qualidades, mas erra ao tentar ser engraçada

Publicado em Séries

Os fãs de séries devem se lembrar de meados dos anos 2000, quando as dramédias começaram a ganhar espaço nas telinhas. É difícil cravar a precursora do gênero, já que traços desse tipo de produção podem ser identificados desde E.R. e Early Edition (ainda nos anos 1990), até sucessos dos anos 2000, como Desperate housewives e Nurse Jackie.
A partir de 2010, as dramédias conquistaram tanto espaço que quase se tornaram regra. Mesmo nas séries com “episódio da semana” (as chamadas “procedurals”), era preciso incluir uma piada em meio a um enredo sério. A verdade, contudo, é que, apesar da popularidade, as dramédias não são fáceis de colocar na tela. Boots mostra isso na prática: a nova produção da Netflix tem qualidades que a fazem prosperar, mas tropeça ao tentar equilibrar humor e drama.

A primeira temporada da série, criada por Andy Parker e baseada no livro The pink marine, de Greg Cope White, acompanha a verdadeira saga de Cameron Cope (Miles Heizer), um jovem gay que decide entrar para o treinamento do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos para acompanhar o melhor amigo, Ray (Liam Oh) — tudo isso em meados dos anos 1990. Boots foi vendida nas redes sociais como “a série que mostra o mundo gay no exército”, mas vai bem além disso.

Como é possível imaginar, o ambiente militar não é acolhedor para homossexuais — pelo contrário. O treinamento também não é fácil para Cope. Ainda assim, movido pelo amor ao país e pela crença no direito de estar onde quiser, ele tenta prosperar ao lado de outros jovens, que também enfrentam seus próprios dilemas.

Boots tem qualidades importantes, e a maior delas é saber apresentar boas histórias. Todos os arcos de Cope — da mãe disfuncional ao “clone” imaginário — são interessantes, e os personagens coadjuvantes também são excepcionais. No início da série, destacam-se os gêmeos Cody e John Bowman (interpretados por Brandon Tyler Moore e Blake Burt, respectivamente), com uma trama cheia de camadas e bem conduzida. Já no meio da temporada, o foco se volta para Sullivan (Max Parker), o sargento gay que se esconde nas profundezas de um armário de amargura e mágoas. Os coadjuvantes são tão bons que isso se torna um problema: acabam “roubando” o interesse do público em Cope, que, em certos momentos, desaparece para dar espaço às outras histórias.

O drama, a comédia e o exército

Retratar as forças armadas norte-americanas não é novidade em Hollywood — há inúmeros exemplos entre filmes e séries. Ainda assim, o tema continua a despertar curiosidade, e Boots mantém o interesse com ritmo ágil e personagens envolventes.

O principal tropeço da produção, porém, está no esforço forçado de transformá-la em uma dramédia. Chega a ser desconfortável ver o peso emocional de uma cena ser quebrado por uma piada de peido ou fezes. Não parece ser essa a forma mais eficaz de explorar o gênero.

Boots entretém, emociona e tem bons momentos. Mas não espere gargalhadas nem um drama profundo. Nesse meio-termo, a série perde parte da força — e mostra que fazer rir e chorar na mesma medida continua sendo um desafio para a TV.

Em síntese, Boots é um retrato sincero de uma geração que tenta se encontrar entre vulnerabilidade e bravura — e que, por isso mesmo, merecia uma condução mais cuidadosa. Ainda que falhe em dosar o riso e o choro, a série acerta ao lembrar que coragem nem sempre tem uniforme, e que às vezes o verdadeiro campo de batalha é simplesmente o de ser quem se é.