Os estereótipos costumam dominar produções ligadas à negritude. Em Black is king, filme musical dirigido e escrito por Beyoncé (ao lado de vários outros colaboradores), a cantora faz essa quebra. Não há dor, sofrimento e retratação de uma escravidão para falar do povo preto. No longa-metragem, os negros são protagonistas da própria história e são a verdadeira representação da beleza, característica negada à população negra em um mundo de racismo estrutural.
Tudo isso está na história, nas letras, no figurino, nas cores escolhidas e no discurso de Black is king. Em certo momento um dos narradores, ao lado de Beyoncé, deixa isso explícito ao dizer: “Mostramos que negros são emotivos, fortes, espertos, intuitivos. Nós sempre fomos maravilhosos. Nos vejo refletidos nas coisas mais sublimes do mundo. O negro é rei. Éramos beleza antes que soubessem o que era beleza”.
Para fazer isso, Beyoncé se inspira na história de O rei leão. Black is king retrata a trajetória de Nala, vivida por ela mesma, e de Simba, um príncipe que, depois se torna rei, mas precisa buscar a ancestralidade e a conexão com as raízes para, enfim, se empoderar. Diferentemente da obra clássica da Disney, que ganhou uma nova versão em live-action recentemente, a narrativa é contada do ponto de vista feminino: é Nala quem ajuda Simba nessa jornada.
Ao evocar a ancestralidade, a história poderia ficar presa no passado, outro problema frequente em obras sobre a negritude. Porém, Beyoncé busca no conceito do afrofuturismo, uma estética cultural e filosófica que combina elementos da diáspora africana com a ficção científica, fazendo uma conexão da população negra com o futuro. Por isso, há tantas referências a orixás, a dialetos africanos e símbolos do passado africano. No entanto, o negro não está preso ao passado. Há elementos que o coloca lado a lado com o presente e o futuro.
Essa característica também está no discurso do narrador e na história de Simba: “No final, eu não sei qual é a minha língua materna e se eu não posso me expressar, não posso pensar. E se não posso pensar, não posso ser eu mesmo. Se eu não posso ser eu mesmo, nunca me conheço”. É preciso se entender, para, então, retomar a voz da própria história.
Black is king é um filme diferente. Não há diálogos clássicos. Mas tudo é unificado na música, na dança, no figurino, no cenário e nas expressões, de forma a ficarem conectados para criar uma narrativa de fato. Esse mérito não é só de Beyoncé. Afinal, não se faz nada sozinho e ela deixa isso claro no longa-metragem ao se rodear de outras personalidades, tanto em frente à tela, quanto por trás.
A fotografia de Black is king é sensacional e impecável. Há um cuidado nos detalhes e na escolha das cores. Tudo ali faz questão de ser belo e glamoroso. Não por acaso, mas porque esses territórios costumam ser negados aos negros. Musicalmente, não há o que se dizer. Beyoncé se supera de novo e entrega canções unificadas que bebem de diferentes fontes e em que celebra também outros artistas.
Fora tudo isso, o filme tem o mérito de ser uma produção Disney, estúdio que por muitos anos renegou a diversidade. Isso dá ainda mais força para Black is king.
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