Por Patrick Selvatti
Quando se fala em Débora Falabella, o que vem à mente, em primeiro lugar, é a sua potência cênica. O corpo pequeno com traços delicados e feições de menina da ex-Chiquitita (1999/2001) abriga uma das intérpretes com maior musculatura da geração à qual pertence a atriz mineira de 44 anos, que acumula na estante da carreira uma admirável coleção de prêmios. Não à toa. Sua composição, sempre visceral, posicionou personagens mais populares, como a Mel de O clone (2001), a Sarah — dividida com Marília Pêra — de JK (2006) e a Nina de Avenida Brasil (2012), na elite dos gigantes da teledramaturgia brasileira. Esta última, por exemplo, figura no ranking das novelas mais marcantes da tevê, mas ela quer sempre ir além. “Eu acho que o mais interessante dessa profissão é você nunca se acomodar”, afirma.
A inquieta Débora — que também soma sucessos no cinema, como Lisbela e o prisioneiro (2003), Primo Basílio (2007), Depois a louca sou eu (2021) e o mais recente, Bem-vinda, Violeta! (2023) —, no momento, pode ser vista, na televisão, em dose dupla, na pele de duas personagens que realçam a força que a mineirinha carrega em cena: como a gerente de cooperativa Lucinda, em Terra e paixão, novela das 21h da Globo, e como a jornalista ativista Natalie, em Aruanas, série original da Globoplay, com duas temporadas disponíveis. Essas produções trazem discussões atuais e importantes para a sociedade brasileira: a violência doméstica e a preservação do meio ambiente. “Talvez o mais importante de fazer uma personagem como essa seja causar identificação e empatia nas pessoas”, avalia a pisciana, natural de Belo Horizonte.
Em uma conversa com o Próximo Capítulo, Débora Falabella fala sobre os traços de loucura presentes em algumas personagens, empoderamento feminino e maternidade — tema de uma peça teatral que deve virar filme, no qual a atriz pretende se lançar como diretora.
Você é considerada uma das atrizes mais potentes da sua geração. Contribuiu muito para essa estrelinha que recebeu em seu nome a interpretação visceral dada a Mel de O clone, lá no início da carreira. Como você lidou, à época, com a responsabilidade de dar vida a uma personagem com carga dramática tão forte?
Acredito que esse reconhecimento vem de várias formas. Quando eu fiz a Mel, apesar de muito jovem, eu já tinha iniciado a minha carreira no teatro e no cinema. Essa experiência, que a gente ganha no palco, nas telas, contribui para entrar mais preparada. Acho que é o acúmulo de papéis e de personagens fortes que deixa as pessoas com essa sensação. Porque eu mesma não me sinto assim. Eu me sinto ainda aprendendo e tenho muitas dificuldades. Acho que, ao longo da carreira do ator, entendo essas dificuldades, porque os papéis são sempre diferentes. Você vai ganhando experiência, mas vai pegando personagens que passam por experiências diferentes. Eu acho que o mais interessante dessa profissão é você nunca se acomodar.
A que você atribui o sucesso estrondoso de Avenida Brasil, que até hoje é citada como referência?
Avenida Brasil teve muitos fatores que a fizeram ser essa novela. Acho que o texto do João Emanuel… Ele tem uma maneira de escrever muito única, e ao mesmo tempo que acompanha esse ritmo contemporâneo que a gente tem vivido, das séries, de capítulos que finalizam, que dão gancho grande para o segundo. Já era uma novela escrita de uma forma diferente do que a gente estava acostumado. Para um mundo diferente, que a gente vive hoje. Eu acho que também foi uma grande questão essa inversão que o autor faz com as personagens. Nenhuma personagem é muito boa, nem muito má. Elas são muito humanas. Ele brinca com todas essas questões dentro dessas personagens… Acho que os atores, a direção ousada, os atores tendo muita liberdade nas cenas. São atores criando. Isso era muito importante para a gente. Todos esses fatores fizeram ela ser realmente um fenômeno, num momento certo.
Você reencontrou Glória Perez na série Dupla identidade (2014) e na novela A força de um querer (2017). Em ambas as produções, suas personagens tinham nuances psiquiátricas muito fortes. Foi uma coincidência ou existe uma espécie de tendência da autora em te escalar para papéis com camadas mais densas?
Na verdade, eu nunca tinha pensado nisso. Eu acho que a Glória escreve personagens muito complexos. E eu amo personagens assim. Talvez ela enxergue isso em mim, essa capacidade de entender um pouco essas personagens, que muitas vezes as pessoas veem com mais defeitos, mas que são muito humanas. Porque a gente não pode julgar essas personagens. Elas têm vidas e passam por questões muito parecidas com as que a gente passa. Muitas vezes a gente só não as expõe. Claro que não no caso da Irene [de A força de um querer], que ela era praticamente uma psicopata, mas, ao mesmo tempo, uma vilã muito interessante e divertida.
Em que lugar você se conectou com essas personagens com traços mais doentios? Existe alguma loucura na sua persona que você ativa quando se depara com essas personagens?
Eu acho que existe uma loucura em todos nós. Se a gente entrou em contato ou não, em algum momento das nossas vidas, é só uma questão de tempo. Mesmo quando a gente interpreta vilões — os clássicos vilões da teledramaturgia porque hoje em dia essas linhas estão muito mais tênues —, a gente se depara com questões e defeitos nossos, que, muitas vezes, a gente não tem coragem de expor, mas todos nós passamos por esses momentos, pensamos nessas coisas… Acho que esses pensamentos e todas essas questões nos invadem ao longo da vida. É claro que, em alguns personagens, essas questões são muito mais intensas. Então, a gente precisa realmente entender como dosar e, ao mesmo tempo, mergulhar nessas histórias. Interpretar um personagem assim é sempre um grande aprendizado. A gente lida com as nossas questões, com os nossos medos…
A Lucinda, de Terra e paixão, marca seu retorno às novelas após esse hiato de seis anos. É uma escolha sua dar esse intervalo mais longo nas obras abertas?
Esse intervalo entre as novelas foi algo que aconteceu. Eu fiz muitas séries: Nada será como antes, Se eu fechar os olhos agora, Dupla identidade e duas temporadas de Aruanas. Mas quando veio a novela, eu estava realmente com muita vontade de fazer de novo. Porque a novela é uma experiência que eu acho que todo ator precisa passar para entender como é. Gostando ou não, e eu tenho gostado. Acho que agora, depois de um tempo, eu olho para a novela de uma maneira diferente. É um super aprendizado. A gente precisa estar muito aberto para essa obra aberta. E é um trabalho de desapego.
Uma mulher de negócios, empoderada, que sofre violência doméstica. Como você descreve a responsabilidade de tratar desse tema no horário nobre da TV aberta?
Talvez isso seja interessante de mostrar. É uma mulher que trabalha no meio de muitos homens dentro da cooperativa, mas, dentro de casa, por ela lutar muito por essa família, por querer manter uma família, também muito por conta do filho que ela tem, ela acaba sendo subjugada pelo marido. Talvez o mais importante de fazer uma personagem como essa é causar identificação e empatia nas pessoas. Não sei se uma mulher assistindo vai entender que também não está sozinha, que isso acontece, que é difícil sair de uma relação. Que essa mulher busque forças, que esse assunto seja discutido. Quando o assunto vem à tona, ele chega mais rápido em outras mulheres e talvez elas se sintam mais encorajadas para entender o que está acontecendo com elas.
A Natalie, de Aruanas, é uma jornalista engajada na causa ambiental. Você já era ligada nas questões ecológicas antes da série? O que mudou?
É uma série que devia ter a terceira, quarta e quinta temporadas. Talvez um dos assuntos mais importantes seja a gente falar sobre o nosso planeta, a preservação dele e dos nossos povos originários. Acredito que um programa que traga o público para essa discussão seja importantíssimo. Isso me deixou realmente muito mais empoderada, interessada, preocupada e ativa nessa discussão. Porque eu realmente estava ali no meio das pessoas e entendia muito bem o que elas estavam querendo dizer, como eu nunca estive antes. Eu acreditava que fosse uma pessoa preocupada, mas entendi, depois de Aruanas, a necessidade que precisamos ter para falar sobre o nosso planeta.
Primeiro, Chiquititas; depois, Avenida Brasil; agora, Bem vinda, Violeta!, o filme recém-lançado. Como é essa trilogia argentina na sua carreira?
Realmente, eu vivi uma trilogia argentina com quase oito anos de diferença entre elas. Chiquititas foi bem no início da minha carreira. Eu morei na Argentina durante um ano, apesar de a gente fazer uma série que era falada em português. Aprendi com muitos profissionais argentinos e, para mim, foi importantíssimo, principalmente pela experiência de poder morar fora. Agora, em Bem-vinda, Violeta!, eu tive que ter um contato maior com a língua. Eu adoro. Talvez se eu tivesse que escolher um lugar para trabalhar fora do Brasil, seria na Argentina. Para mim, já é mais familiar.
Você fundou, em conjunto com Yara Novaes e Gabriel Fontes Paiva, o Grupo 3 de teatro. O que essa trupe anda aprontando?
Hoje, temos dois espetáculos em repertório. Um deles foi um pouco impedido de circular por conta da pandemia, então é uma coisa que vamos fazer, com certeza. Depois da novela, devemos rodar um pouco o Brasil. E fora isso, claro, sempre temos outros projetos…
A maternidade te levou a produzir uma peça de teatro, que você planeja levar ao cinema como diretora…
Mantenha fora do alcance do bebê é de uma autora contemporânea de São Paulo, a Silvia Gomez, um dos maiores talentos contemporâneos. Somos amigas e tivemos filhos na mesma época. A peça fala sobre uma mulher que deseja ser mãe, sobre a pressão social que as mulheres sofrem em relação à maternidade e sobre a mercantilização dela. Eu tenho interesse sobre esse assunto: a liberdade que se tem também para escolher, que nunca foi aceita por uma parte da sociedade. Talvez essa peça tenha me despertado esse lugar que a gente visita quando é mãe, ou quando a gente deseja ser mãe. Depois que você se torna mãe, você tem muitas perguntas. E o filme é mais uma dessas perguntas para mim.
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