Sam Mendes, Daniel Brühl, Jessica Heynes, Armando Ianoucci e Jon Brown comentam sobre a nova estreia da Max que ri das super produções de Hollywood
Por Pedro Ibarra
As críticas ao cinema de super-heróis e às franquias dos chamados blockbusters, ou arrasa quarteirões em português, têm sido cada vez mais recorrentes. Entendendo a pasteurização do cinema como uma terra fértil para fazer graça, a Max lança hoje a série A franquia. Uma comédia metalinguística que olha para dentro de Hollywood para encontrar as piadas.
O novo seriado acompanha o primeiro assistente de direção Daniel (Himesh Patel), que trabalha na mais nova saga de super-heróis intitulada Tecto. O filme fictício trata sobre um vigilante capaz de fazer terremotos e voar com um martelo invisível. A produção está atrasada e passa por problemas com o roteiro e a excentricidade do diretor Eric (Daniel Brühl) e dos atores Adam (Billy Magnussen) e Peter (Richard E. Grant).
A série foi criada por Jon Brown e dirigida pelo vencedor do Oscar Sam Mendes. Ela é baseada em experiências cômicas que Sam Mendes teve quando filmava os dois filmes mais populares que já dirigiu, 007: operação Skyfall e 007 contra Spectre, somados a entrevistas e referências sobre o cinema denominado pipoca. A ideia é questionar e satirizar o “fazer da linguiça”, os bastidores desse cinema mainstream que movimenta bilhões de dólares por ano.
A graça presente nos episódios é concentrada no texto. O estranhamento dos diálogos e as reações ao caráter inusitado das situações são o trunfo do fazer rir. “O cômico são os personagens que amam a ideia de fazer esse tipo de filme, mas de alguma forma estão fazendo em uma época em que essa coisa romântica já morreu”, explica Jon Brown.
“Pela minha própria experiência, posso dizer o quão trágico e engraçado pode ser trabalhar nesses parques lunáticos e megalomaníacos que são essas sagas e universo de franquia”, afirma Daniel Brühl que já trabalhou em sagas imensas como o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) e em um dos filmes sobre Cloverfield. “Eu vivi a dor, a frustração, os flashes de esperança e a implosão. Todos esses altos e baixos”, complementa o ator.
A atriz de comédia Jessica Heynes é a encarregada da maior parte das trocas com Brühl, já que interpreta a assistente e supervisora de roteiro Steph. Apesar de não ter sido de um grande blockbuster, a atriz compartilha a visão de que esses bastidores da produção podem ser cômicos. “Essas produções são um ponto de partida incrível para a comédia. Você tem esse mundo incrível, enorme e complexo. Esse lugar é cheio de situações inusitadas e conceitualmente isso já é uma ideia muito interessante para comédia”, analisa. “É divertido acompanhar todas essas pessoas excelentes na profissão que exercem se desdobrando para tirar esse monstro do chão”, acrescenta.
Em uma história como essa, com escolhas complexas de roteiro e cenas que unem o riso à tensão, é preciso concordâncias entre os atores, como foi com Heynes e Brühl. O entrosamento precisa estar em dia. “É como música, é preciso acertar a nota e o tom. É preciso se ajustar, encontrar o groove para você mesmo e com o grupo”, reflete o ator, que vive Eric. “Sinto que trabalhei com os melhores. Tem muita energia, e o tom cômico estava certo. Eu e Jessica, por exemplo, era como se estivéssemos tocando jazz”, elogia Brühl, em entrevista à Revista.
Nomes pequenos dos créditos
Quando levantada a ideia de uma comédia sobre as pessoas dos bastidores do cinema, não se pensou primariamente que há um outro efeito muito positivo: exaltar o trabalho daqueles menos favorecidos na dinâmica da indústria cinematográfica. “Nós imaginamos que seria uma sátira, mas o Jon conseguiu encapsular a romantização e a esperança que estão presentes na produção de um filme. Essa vontade de fazer algo maravilhoso”, pontua Sam Mendes. “A história está com a cabeça na sátira e o coração no drama humano”, filosofa.
“O que eu gosto de A franquia é que tem a comédia e a sátira, mas, ainda assim, celebra os horários terríveis, os dias longos, filmar à noite e tudo mais. É bom ver um retrato disso e como isso afeta as pessoas”, destaca Armando Ianucci, produtor executivo da série conhecido com um dos criadores do sucesso da comédia Veep. “Em eventos como o Oscar e o Emmy, você celebra parte das pessoas, a maioria dos mais celebrados está na tela, por exemplo. No entanto, há toda uma equipe que você sabe que é quem faz acontecer”, completa.
Há algo de muito pessoal também em pessoas que já trabalharam nos bastidores abrirem essa porta dos fundos de Hollywood. “Eu trabalhei nos últimos 15 anos da minha carreira de roteirista. Nem tudo era o que eu queria fazer, então eu prometia que não investiria esforço maior do que fazer o meu melhor trabalho possível. Porém, no momento que você bota a caneta no papel, você está doando uma parte sua para o projeto. É assim que eles te pegam, é impossível não se jogar de cabeça naquilo”, confidencia Jon.
A crítica pode ser feroz quando o resultado não é bom. Entretanto, isso não significa que o trabalho dos nomes pequenos que passam rápido nos créditos do final do filme não foi bom. “As pessoas podem ter críticas sobre o resultado dessas sagas e franquias, mas posso garantir que cada um que entra para o projeto está tentando fazer o absoluto melhor que pode”, crava o criador. “O que parte o coração é quando você vê o produto final e questiona para onde foi todo aquele talento e trabalho duro. O sistema em que essas pessoas ganham a vida é disfuncional e está quebrado”, critica.
Crise no cinema de heróis?
Se a série tivesse sido lançada no auge do cinema da Marvel, a discussão seria diferente. A fase que vive o cinema de heróis é de baixa e a série acaba sendo mais uma punhalada nesse formato que tem sido o favorito nos ataques da crítica e fãs. No entanto, Sam Mendes nega que isso é uma crise. “Não acho que Hollywood está em crise, acho que é uma evolução de como são feitos esses tipos de filmes”, fala o diretor. “Só é uma crise, se as pessoas pararem de ir aos cinemas, e as pessoas não pararam. Elas apenas estão limitando o que querem ver nas telonas.”
O vencedor do Oscar de 2000 por Beleza Americana acha que a demanda mudou e, por isso, tem sido mais difícil agradar o público fã dos heróis. “A demanda agora é por um espetáculo grandioso, imersivo, atordoante e sensorial de entretenimento. Isso é particular do cinema agora, porque você consegue ter praticamente qualquer coisa em uma tela grande em casa. O espaço que os filmes têm que ocupar é mais estreito”, classifica. “Pessoalmente, isso me empolga menos. Porém, outras pessoas pensam diferentes”, opina.
As mudanças no consumo de cinema precisam ser acompanhadas por alterações na indústria. “Quando eu cresci, apenas um filme popular tinha várias sequências: o 007. Atualmente, as pessoas têm relações profundas com sagas que duram por anos e décadas em alguns casos”, lembra Mendes, que não faz juízo de valor a esses grandes universos. “Não dá para tirar valor do amor pela narrativa que nos faz imergir em um universo. Isso não é insignificante, apenas diferente. As pessoas querem estar por dentro das histórias e querem ter um momento alheio das próprias vidas”, propõe.
“Alguns desses filmes podiam ser melhores? Sim! Existe alguma forma de eles serem feitos de forma mais funcional? Sim! Contudo, ainda há possibilidade de um Pantera Negra ou um Batman: o cavaleiro das trevas sair disso também desafiando o modelo. Ou seja, é possível contar histórias que refletem bem sua realidade usando um mundo ficcional e completamente imaginário. Só é muito difícil”, desenvolve o diretor. Sam Mendes aproveita o espaço para fazer o apelo: “Se a vontade é fazer esse tipo de filme, pelo menos façamos eles bons ao invés de só fazê-los”.