Roma, do mexicano Alfonso Cuarón, concorre ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e pode render indicação ao Oscar para a Netflix. Leia a crítica!
Antes mesmo de ser disponibilizado no catálogo da Netflix, no último dia 14 de dezembro, o filme Roma, de Alfonso Cuarón, levantou polêmica. Premiado no Festival de Veneza com o Leão de Ouro e indicado a três Globos de Ouro fora das categorias televisivas (roteiro, filme estrangeiro e diretor), o longa vem despertando a ira de puristas, que não consideram um filme produzido para uma plataforma de streaming cinema. Se os votantes do Oscar concordam só saberemos em 22 de janeiro.
Enquanto isso vamos ao que realmente interessa: Roma é, independentemente de qualquer polêmica, um grande filme de Cuarón, vencedor do Oscar de direção por Gravidade em 2014. Sensível, belo e ao mesmo tempo corajoso e pungente, agrada desde a fotografia ao roteiro. Nem a duração de mais de 2 horas é um empecilho. Roma é daqueles dramas em que a gente não vê o tempo passar.
Ao contrário do que se possa pensar, Roma não se passa na capital italiana, mas, sim, no bairro mexicano homônimo, familiar ao próprio Cuarón, nascido e criado nas redondezas. Filmado em preto e branco, o filme se passa em 1970, ano em que o México enfrentava, tenso, um regime ditatorial, com direito a protestos pela liberdade e tanques de guerra nas ruas.
Mas esse não é um filme sobre política, tão explicitamente assim ー os conflitos estão ali, mas como pano de fundo. A discussão aqui é social ー e assustadoramente atual. Presente em mais de 90% das cenas, Cleo (a sensacional Yalitza Aparicio) trabalha como empregada doméstica na casa de Sofia (Marina de Tavira) e Antonio (Diego Cortina Autrey), casal de classe média que tem quatro filhos.
Mais do que trabalhar na casa dessa família, Cleo acaba se tornando cúmplice de Sofia na criação dos meninos e no comando da casa ー as crianças respeitam mais a moça do que a própria mãe em vários momentos. Quando tem dúvidas e precisa de ajuda, é no colo de Teresa que Cleo procura ー e acha ー carinho, ajuda e atenção. O contrário também acontece: é com Cleo que Teresa conta no momento da separação, por exemplo.
Cleo poderia ser uma irmã mexicana de Val, personagem de Regina Casé no brasileiro Que horas ela volta?, mas Cuarón foge do panfletário tom adotado no longa nacional e humaniza Cleo, com defeitos e qualidades. Mais: não vilaniza os patrões ー eles também têm defeitos e qualidades.
A vida de Cleo não se restringe à casa de Antonio e Sofia. Ela tem um namorado, Fermín (Jorge Antonio Guerrero), que, numa estranha cena, a seduz, nu, lutando uma arte marcial características dos manifestantes mexicanos contra a ditadura. Ao lado dele, a moça conhece as dores e as delícias da primeira paixão. Ao lado da amiga Adela (Nancy García García), Cleo passeia, lancha, vai ao cinema. Juntas, elas riem e choram.
É mostrando as emoções de Cleo que Roma segue. E é pela emoção que ele nos pega. Cinema ou não, o filme traz um Cuarón muito mais sensível e maduro. Que venha o Oscar!