Com base no livro homônimo de Milton Hatoum, Dois irmãos faz uma boa adaptação da obra, com destaque para a narrativa e o elenco
Assim que a minissérie Dois irmãos estreou a expectativa era grande. A começar pelo fato de a produção ser a adaptação de uma obra literária de sucesso. O livro do amazonense Milton Hatoum foi lançado em 2000 e, no ano seguinte, foi premiado com o Jabuti, o mais importante da literatura brasileira. O outro motivo tinha a ver com o elenco ser encabeçado pelo galã Cauã Reymond e pelos experientes atores Antônio Fagundes e Eliane Giardini.
Baseada na obra de Milton Hatoum, a minissérie Dois irmãos revela a história de uma família libanesa formada por Halim e Zana e os filhos, os gêmeos Omar e Yaqub, e Rânia, na cidade de Manaus, no Amazonas. A destruição dessa família causada pelo ódio entre os gêmeos é contada por um narrador, Nael, filho de Domingas, a empregada.
Como qualquer adaptação, Dois irmãos tinha um grande desafio: fazer jus ao livro, que tem uma história rica, muito bem construída e repleta de mensagens (trata de família, loucura, inveja, ditadura…). A obra de Milton Hatoum tem alguns detalhes que parecem complexos para transpor na televisão. O principal deles é o fato de ir e vir no tempo, sem deixar claro ao leitor essa mudança de percurso na história, que é uma mistura da narração de Nael com os contos de Halim para o jovem. O outro fator são as entrelinhas, o que não é dito, mas é levado ao leitor a supor.
O desafio da adaptação coube a Maria Camargo, responsável pelo roteiro, e a Luiz Fernando Carvalho, que dirigiu a produção. Dupla essa que ao longo dos dez capítulos foi se encontrando na narrativa e também fazendo com que o espectador entende-se o ritmo da minissérie. Dois irmãos é uma produção com enredo mais lento e cheio de sutilezas. Na versão televisiva, foi o primeiro capítulo (e até o último) que “sofreu” com isso ao apostar em uma vagarosidade excessiva da história, das câmeras lentas e do ar novelesco.
Mas, no fim, o episódio dá a volta por cima e termina exatamente no grande clímax da história: a fatídica briga entre os irmãos Omar e Yaqub, que os levariam a se odiar ao longo da vida. Ao revelar a trama principal, Dois irmãos conseguiu engrenar um ritmo para o segundo episódio, e tendo uma boa sequência até o décimo, o último da minissérie, que revela o surpreendente desfecho do conflito entre Omar e Yaqub. Dois irmãos é uma ótima adaptação, além disso, serve para mostrar que a tevê aberta ainda tem fôlego para fazer boas produções.
CUIDADO, A PARTIR DAQUI CONTÉM SPOILERS!
Pontos altos e baixos de Dois irmãos
1. A semelhança com a história do livro
Quando uma adaptação literária é anunciada para outra plataforma, ela pode ser apenas uma inspiração, um ponto de base, ou, simplesmente, a transposição da história com algumas alterações. Antes de mesmo de ir a ar, o próprio Milton Hatoum tinha elogiado a versão, o que é bastante válido. Maria Camargo fez um ótimo trabalho na roteirização da história, que é bastante fiel ao livro. Inclusive, a narração de Nael é toda tirada da obra de Hatoum.
Mas, como qualquer adaptação, teve mudanças. A primeira delas está ligada ao início da história. No livro, Milton decide por começar de quando Zana, já no leito de morte, pergunta se os filhos fizeram as pazes. A minissérie utiliza trechos deste primeiro capítulo que mostram a saída de Zana do casarão da família e os devaneios dela no fim da vida. Mas logo é seguida uma cena dos gêmeos lado de Zana e Domingas e a voz de Nael anuncia a rivalidade dos irmãos: “alguma coisa que não deu certo entre os gêmeos ou entre eles, o pai e a mãe.”
Também há algumas alterações no decorrer de alguns acontecimentos, com alteração de ordens e submissão de outros. Mas não há nenhum grave que pudesse alterar o rumo de algo. Foi apenas uma opção de roteiro para evitar que a história fosse ainda mais arrastada e polêmica, do que já é.
2. O elenco
Apesar de algumas atuações parecerem excessivamente teatrais, de modo geral, a minissérie conseguiu reunir um bom elenco que representou bem os personagens. O que também era um desafio, já que os personagens são controversos, por terem muitas atitudes duvidosas e defeitos expostos ao longo da trama. Não há mocinhos em Dois irmãos. No fundo, todos têm seu lado vilão na história.
Já era esperado que atores como Cauã Reymond, Antonio Calloni, Eliane Giardini e Antônio Fagundes se saíssem bem, por isso foram, principalmente, os novos talentos que chamaram atenção. Como Matheus Abreu, que deu vida aos gêmeos na segunda fase, e já está escalado para a próxima temporada de Malhação. Também é preciso destacar o carisma do casal Zana e Halim da primeira fase, vividos por Gabriella Mustafá e Bruno Anacleto, e dos pequenos Ryan Soares (Nael da segunda fase) e os irmãos Enrico e Lorenzo Rocha, que vivem Omar e Yaqub no início da trama. Além disso, Dois irmãos ainda serviu para mostrar um lado surpreendente de Maria Fernanda Cândido (que interpretou Estelita): a veia cômica.
Se há vários artistas para se elogiar, também há algumas críticas. Juliana Paes fez a Zana mais dramática de todas fases. O choro era excessivo e teatral. E era difícil não comparar a atuação da atriz com seu papel em Caminho das Índias. Outro problema é a presença de Bárbara Evans, que chega a ser vergonhosa. Com pouquíssimas e inúteis falas, a Lívia de Bárbara só servia para mostrar a beleza da atriz. Tudo bem que no livro não há muitas frases atribuídas a personagem, mas será que ela não merecia dizer algo que tivesse importância, ao invés de ficar parada ao lado de Cauã Reymond?
3. Tramas nas entrelinhas
Dizer o não dito é o grande trunfo da versão literária de Dois irmãos. A obra deixa muitos enredos subentendidos. Na televisão, onde há o recurso visual, às vezes isso pode ser mais difícil. Mas Dois irmãos conseguiu mostrar sem revelar. Se em Dom Casmurro, a grande dúvida era por conta da traição, ao longo de Dois irmãos, o questionamento era a paternidade do narrador Nael. Na minissérie, as primeiras cenas da gravidez de Domingas levam a dúvida sobre os gêmeos. Mas, depois, há uma carga na atração televisiva sobre Halim, que, no livro fica bem claro que o personagem tinha um carinho por Nael por saber que era neto (mesmo sem desconfiar de qual dos dois filhos).
4. A representação de Manaus
A televisão aberta está muito acostumada a mostrar as paisagens do Rio de Janeiro e São Paulo. O que é óbvio já que os estúdios e atores estão reunidos nas duas cidades. Mas sempre que é possível representar outras partes do Brasil, isso é interessante e também cria empatia com o público. Em Dois irmãos, é muito bonito ver a Manaus dos tempos passados na tela.
5. Capítulos divulgados antecipadamente
Para tentar conquistar o público habituado com os serviços de streaming, a Globo adotou uma estratégia que já havia sido testada em outras produções. A emissora liberou parte dos episódios antes da estreia na televisão para assinantes.
E, ao longo das duas semanas de exibição na tevê, também privilegiou o on demand, sempre liberando capítulos antecipadamente (e sem propagandas) para os assinantes. O plano funcionou e a repercussão de Dois irmãos foi alta tanto no on demand como na tevê, em que conquistou boa audiência.
Veredicto: Muito bom
Capítulos disponíveis no Globo Play.