Disponíveis na Netflix desde 29 de dezembro, os seis episódios da quarta temporada de Black mirror divergem em relação à qualidade
Do ótimo Black museum ao sem graça Metalhead. Assim é a trajetória da quarta temporada de Black mirror: cheia de altos e baixos. Dos seis episódios disponibilizados pela plataforma de streaming, três se destacam, enquanto os outros três até nem parecem fazer parte da mesma antologia.
Desde a primeira temporada, Black mirror chamou atenção por debater em um ambiente futurístico o que a alta tecnologia e o poder do ser humano combinados podem causar ao mundo e a sociedade. E sempre fez isso muito bem. Na quarta temporada, a produção também o faz. No entanto, em alguns episódios específicos peca ao se debruçar demais em assuntos menos interessantes, além da falta de um aprofundamento.
Pontos altos da quarta temporada de Black mirror
1. Black museum
Como todos os episódios da temporada, Black museum tem roteiro de Charlie Brooker, mas tem direção de Colm McCarthy (Outcast e She who brings gifts). O capítulo começa mostrando a jovem Nish (Letitia Wright), que estaciona em uma espécie de posto na beira da estrada para recarregar seu carro. Durante a espera, ela decide visitar um museu próximo ao local.
O museu abriga artefatos tecnológicos feitos por Rolo Haynes (Douglas Hodge), que estiveram ligados a fatos criminais. O próprio dono do museu é quem conta a Nish um pouco sobre os objetos. O primeiro é um dispositivo que é capaz de transmitir a dor sentida por uma pessoa para outra. Ele foi usado de forma doentia pelo médico Peter Dawson (Daniel Lapaine).
Depois, Rolo mostra a Nish um urso, que, na verdade, abriga a consciência de uma mulher que estava em coma. Por último ele exibe um prisioneiro Clayton Leigh (Babs Olusanmokun), que foi condenado à morte, mas que se manteve vivo em um holograma do museu em mais uma tecnologia feita por Rolo.
O episódio final é, sem dúvidas, o melhor da quarta temporada. Ele consegue ser extremamente contemporâneo ao exibir, em seus minutos finais, algo muito relacionado às questões da população negra do mundo. Não vou me adentrar no assunto, porque seria um “megaspoiler” e pela qualidade do episódio e do tema, sugiro que você corra para assistir, caso ainda não tenha visto.
2. USS Callister
O episódio que abre a quarta temporada de Black mirror já é o mais comentado. E tudo começou antes mesmo da estreia por ele lembrar a estética de um clássico da tevê e dos cinemas, Star Trek. Mas essa temática é apenas uma inspiração para o episódio e não uma espécie de paródia, como tem sido dito por aí.
USS Callister gira em torno de Robert Dayle (Jesse Plemons), um programador solitário que é a cabeça por trás de um dos jogos mais populares do mundo. No entanto, no ambiente de trabalho, ele é zoado pelo sócio e ignorado por grande parte dos colegas.
Mas Dayle não deixa isso barato e cria um jogo privado que simula uma situação parecida com Star Trek, em que ele comanda uma espaçonave ao lado dos colegas de trabalho. No ambiente virtual, ele aproveita para se vingar e prender cópias offlines dessas pessoas.
Toda a forma como o episódio se desenrola é extremamente interessante e também o debate que o capítulo traz ao discutir as relações pessoais e o poder da tecnologia sobre o outro. Apesar de ter gostado muito do USS Callister, a única coisa que me preocupou em relação ao episódio foi o fato de Robert Dayle ter sido um personagem baseado em um estereótipo que já costuma sofrer preconceito e coube a ele o papel de vilão.
Desde o lançamento existem rumores de que o episódio possa ganhar uma temporada completa e paralela a Black mirror. Pelo menos esse é o desejo dos envolvidos: Charlie Brooker e William Bridges, responsáveis pelo roteiro, e Toby Haynes, que dirigiu.
3. Arkangel
Dirigido por Jodie Foster (atriz de O quarto do pânico e O silêncio dos inocentes), Arkangel, o segundo episódio da temporada, se concentra em Marie (Rosemarie Dewitt), uma mãe que cria a filha Sara (Brenna Harding) apenas com a ajuda do próprio pai, o avô da menina. Em um dia de passeio, a pequena se perde da mãe.
Tentando evitar que isso aconteça novamente, Marie decide implantar o sistema Arkangel em Sara. Com ele, a mãe consegue acompanhar todos os passos da filha, enxergar o que a menina vê e até censurar algumas situações, checar a saúde da criança, entre outras coisas.
Até a infância de Sara isso não parece um problema. Mas é na adolescência que essa falta de privacidade começa a causar problemas na relação das duas. E esse é o principal debate do episódio: até onde vai o direito dos pais de infringir a privacidade dos filhos sob a justificativa de cuidado?
Pontos baixos da quarta temporada de Black mirror
Se Black museum, USS Callister e Arkangel se destacam por trazer o debate em torno de até onde a tecnologia pode dar poder ao ser humano sob o outro, esse tipo de discussão fica um pouco de fora dos outros três capítulos da temporada. E aí que a quarta temporada de Black mirror se atrapalha.
4. Hang the DJ
Assim como Nosedive, primeiro episódio da terceira temporada, Hang the DJ se aproveita de uma temática bastante contemporânea: a busca de relacionamentos por meio de aplicativos. Mas no contexto futurístico do episódio, tudo está muito mais avançado, com um sistema capaz de encontrar um parceiro ideal por meio da coleta de dados.
Esse sistema é usado por Amy (Georgina Campbell) e Frank (Joe Cole), dois jovens que são colocados juntos pelo sistema para um encontro. E, apesar da sintonia do casal, o sistema dá apenas 12 horas para que eles fiquem juntos. A partir daí, começa uma busca de cada um deles até encontrar o par perfeito.
O episódio é um grande lenga-lenga romântico, que, no fim, contrariando tudo que tem a ver com Black mirror, tem um final feliz e muito utópico para o meu gosto. Preferia que, como Nosedive, o capítulo questionasse algo muito atual. Nesse caso, essa busca incessante do ser humano pela metade da laranja perfeita.
5. Crocodile
Dirigido por John Hillcoat, esse é um dos episódios que tinha tudo para ser bom, mas também peca. O capítulo começa a um estilo bem Eu sei o que vocês fizeram no verão passado, quando Mia (Andrea Riseborough) e Rob (Andrew Gower) estão drogados em uma rodovia e atropelam uma pessoa, que acaba morrendo.
Apesar de Mia querer chamar a polícia, Rob a convence a ficar calada e se livrar do corpo. É o que a dupla faz. Depois, o episódio pula 15 anos e mostra uma Mia bem-sucedida, casada, com filho e arquiteta. Já Rob, ainda se sentindo culpado pelo passado, a procura para avisar que entrará em contato com a família do morto.
A partir daí, a personagem contradiz tudo que mostra nos primeiros minutos do episódio só para manter a vida perfeita que levou nesses últimos anos. Também é nesse momento que o episódio fica repleto de cenas violentas e, sinceramente, abre um debate bastante raso sobre o assunto. Uma pena! A parte mais interessante do episódio está ligada ao aparelho que consegue ver as lembranças de ser vivo.
6. Metalhead
De direção de David Slade (Hannibal e American gods), tudo parece errado em Metalhead. O penúltimo episódio da quarta temporada de Black mirror se passa um futuro, claro, mas por ser em preto e branco parece muito mais ser ambientado nos anos 1950.
O episódio segue a jornada de Bella (Maxine Peake), Tony (Clint Dyer) e Clarke (Jake Davies), que estão em uma missão para roubar algo para cumprir uma promessa à irmã de Bella. Porém, durante a situação, eles acabam sendo perseguidos por um cachorro robótico que faz de tudo para proteger a tão disputada caixa.
Em 40 minutos, o que se vê é o quase “pique-esconde” entre Bella e o robô-cachorro. No entanto, o capítulo não se aprofunda nos personagens e entrega muito pouco sobre a missão em si, o que não consegue fisgar o espectador.