Novelas e séries portuguesas ganham espaço no streaming brasileiro e harmonizam a balança comercial entre os países produtores de ficção
Patrick Selvatti
Começar este texto falando sobre a forte conexão entre Brasil e Portugal seria chover no molhado. Talvez um clichê. Mas o que seria a teledramaturgia, a matéria-prima deste espaço, sem o bom e velho clichê? Aquela receita básica de um bolinho doce com um cafezinho preto é o que garante o sucesso do bom folhetim. Seja aqui, seja lá nas terras do pastel de Belém.
Brasileiros e portugueses compartilham a mesma paixão e se conectam há décadas por esse sentimento comum. O intercâmbio cultural sempre foi forte. Não é raro o Brasil receber artistas portugueses para atuar em suas novelas. De Tony Correa (que brilhou em Locomotivas, em 1977) a Rita Pereira, que estará em Dona Beja, na HBO Max, passando por Pedro Carvalho, que soma sua quarta novela no Brasil com Fuzuê — assim como nós também exportamos muitos talentos brazucas para o outro lado do oceano. A mais famosa é Lucélia Santos, que alcançou o mundo com Escrava Isaura e, recentemente, foi a grande atração de uma produção portuguesa, ao lado de Edwin Luisi, seu par na obra de 1976.
Nos últimos anos, o laço novelístico entre Brasil e Portugal ficou mais firme. Agora, também importamos teledramaturgia enlatada de lá. Ok, não é nenhuma novidade também. Por aqui, já vimos alguns produtos lusitanos, como a novela teen Morangos com açúcar, na Band, lá no início dos anos 2000. Mas é certo que nós sempre exportamos mais. Entretanto, com o streaming, a balança comercial se intensificou. No Globoplay, por exemplo, há, pelo menos, quatro títulos: as novelas Ouro Verde, A impostora, Amar demais e Na corda bamba. Mesmo com aquele gostinho de bacalhau com azeite e um acorde de fado ao fundo, essas novelas nos agradam porque trazem elementos que nos espelha.
Elite da telenovela
Autor dessa última, Rui Vilhena afirma que o streaming acelerou o inevitável. Ele conta que há muitas coproduções se desenrolando entre os dois países. “É uma tendência, e não se aplica apenas ao elenco. Na corda bamba, por exemplo, foi dirigida por Marcos Schechtman, que trouxe consigo uma equipe de brasileiros. O mercado pede essa diversidade”, explica o autor, consagrado em Portugal e que também fez um pouso por aqui, com sua obra original Boogie Oogie (Globo, 2014).
Para Rui, que nasceu em Moçambique e foi criado em Niterói, a população enorme de brasileiros em Portugal se interessou em se ver na tela. Isso explica o sucesso das novelas brasileiras exibidas por lá. “Esse movimento começou com Gabriela, em 1977, então o português já se acostumou com o sotaque brasileiro. O mesmo não acontece no Brasil, com a língua portuguesa nativa. Mas, agora, estamos vivendo o movimento inverso, de o Brasil descobrir Portugal”, observa.
E não são somente os brasileiros. O mundo parece que percebeu a existência da teledramaturgia portuguesa. Prova disso é que 10 produções lusitanas estiveram entre as finalistas do Emmy Internacional desde 2008 e três dessas levaram o grande prêmio. A mais recente é Para sempre, que disputa, neste ano, o título com duas pratas nossas (Pantanal e Cara e coragem) e uma da Turquia — cuja dramaturgia já foi tema do Próximo Capítulo. Juntas, as três nações se consolidam como a elite da telenovela.
Nações unidas
De acordo com Rui Vilhena, a telenovela provocou a transformação que hoje o streaming vivencia. “O audiovisual se tornou multicultural e linguístico. Há esse movimento da globalização da arte, principalmente em relação às séries, que estão acelerando essa coprodução”, comenta o autor, ressaltando que tem sido interessante levar as ambientações para Portugal, um cenário ainda pouco explorado. “Escrevi o roteiro de um filme multicultural, com vários idiomas sendo falados. Ele seria gravado em Londres, mas a produção decidiu trazer para Lisboa”, adianta.
Um exemplo dessa onda boa indo na direção inversa às caravanas que descobriram a América é a série portuguesa bastante celebrada no momento, Mar branco (Rabo de peixe, no original). Sucesso na Netflix, a obra traz um elenco que mescla portugueses e espanhóis. Já em Glória, de 2021, os lusos se misturam com atores ingleses para contarem a história. No Globoplay, é possível assistir as duas temporadas de O clube, série que retrata uma casa noturna badalada de Lisboa e traz a brasileiríssima Luana Piovani em destaque com colegas portuguesas.
Agora em outubro, o catálogo do Globoplay disponibiliza a série investigativa Codex 362, inspirada no best-seller homônimo do jornalista português José Rodrigues dos Santos. A produção teve as cenas gravadas no Rio de Janeiro e em Lisboa, com nomes daqui e de lá. Deborah Secco, Betty Faria e Alexandre Borges dividem o protagonismo com o lusitano Paulo Pires, que, inclusive, já marcou presença na novela brasileira Salsa & Merengue, de 1996, na Globo.
E não para por aí. Bruno Gagliasso se mudou para Lisboa para gravar a série Santo, filmada em Madrid e em Salvador, que tem o brasileiro como protagonista e conterrâneos como Tomás Aquino e Luiz Felipe Lucas dividindo cenas com um elenco espanhol. Já em Operação Maré Negra, com duas temporadas na Prime Video, o galã tupiniquim divide espaço com Leandro Firmino (de Cidade de Deus), o português Nuno Lopes (que já deu as caras por aqui em Esperança, de 2022) e o chileno Jorge Lopez, que foi astro de duas temporadas de Elite, na Espanha, e da série Temporada de verão, uma produção totalmente brasileira — ambas da Netflix.
E por falar no hit Elite, o grande sucesso do streaming — com a sétima temporada pronta para estrear neste mês e a oitava já em produção — trouxe, no elenco das duas últimas temporadas exibidas, um núcleo formado por três atores de nacionalidades distintas: o espanhol Manu Rios, o brasileiro André Lamoglia e o francês radicado em Portugal Carlotto Cotta. Nesta leva de episódios que serão lançados dia 20, a série traz, ainda, a cantora Anitta, estreando no audiovisual multinacional. A girl from Rio viverá uma professora chamada Jéssica no colégio Las Encinas.
“O que estamos vivendo hoje é uma verdadeira nações unidas no audiovisual”, resume Rui Vilhena.