Especialistas alertam que essa tendência afasta talentos da iniciativa privada e emperra a economia local Diego Amorim – Do Correio Braziliense
Rafael estuda na UnB e é contrário à ideia de passar em concurso para ficar mais tranquilo (Daniel Ferreira/CB/D.A Press)
A estabilidade do serviço público ainda seduz a maior parte dos estudantes de administração. Pesquisa realizada por um site especializado indicou a aprovação em concurso como principal objetivo dos jovens após terminarem a graduação. A opção foi a escolhida por 33,65% dos que responderam à enquete virtual em todo o país. Em Brasília, o interesse pelo funcionalismo alcança quatro em cada 10 universitários do curso, segundo levantamento semelhante feito no início de 2012. Por ano, cerca de 1,5 mil administradores se formam na capital do país. Pelo menos 60 instituições de ensino oferecem o curso. Especialistas apontam falhas no processo educacional, principalmente em relação ao pouco aprofundamento de algumas disciplinas. Apesar de a administração pública ser uma opção, os números, avaliam, revelam necessidade de mudanças no currículo escolar, para evitar que o diploma funcione apenas como trampolim para carreiras de Estado. O foco dos estudantes no serviço público preocupa o administrador Leandro Vieira, 34 anos, diretor do site responsável pelo levantamento nacional. Para ele, está em jogo a sobrevivência das empresas. “Em nome da obsessão pela estabilidade, muita gente ignora as próprias vocações e habilidades específicas”, comenta Vieira, antes de reforçar que, por maior que seja o número de vagas em concursos públicos, o funcionalismo jamais conseguirá absorver toda a mão de obra. Desvio Trabalho em excesso, salários menores e falta de garantia do emprego afugentam a juventude da iniciativa privada. Quem opta por desviar do mundo corporativo e encarar os livros, no entanto, nem sempre leva em conta um outro risco: o de não ser aprovado no concurso dos sonhos. “Muitos desistem das provas e, quando resolvem buscar o mercado de trabalho, percebem que perderam muito tempo. Cursinho preparatório não conta no currículo de ninguém”, completa Vieira. Na capital federal, centro do poder político-administrativo, a obsessão pela Lei nº 8.112, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores, se destaca mais do que em qualquer outro centro urbano do país. A psicóloga e especialista em desenvolvimento de recursos humanos Carmem Cavalcante deixa clara a necessidade de excelentes profissionais atuando na estrutura do Estado, mas se assusta com a forma de os estudantes brasilienses lidarem com a carreira pública. O poder de atração do funcionalismo, observa Carmem, provoca uma evasão de talentos das empresas locais, o que dificulta a diversificação da economia. “Brasília precisa equilibrar a atividade produtiva e o que ainda vemos é um movimento no sentido contrário”, afirma. Com 20 anos de experiência, ela percebe que a maioria dos concurseiros ainda busca o serviço público com a pretensão de ganhar muito e trabalhar pouco. “É algo assustador”, reforça. Sem fixação No ano que vem, Rafael Freire, 21 anos, terminará o curso de administração na Universidade de Brasília (UnB). Com o diploma em mãos, não descarta tentar a aprovação em certames para órgãos como Tribunal de Contas da União (TCU) e Banco do Brasil, mas, por ora, pensa em seguir na iniciativa privada. “O mundo é cruel, mas não gosto da ideia de passar em concurso para ficar mais tranquilo nem dessa preocupação excessivacomdinheiro”, justifica o universitário. Rafael compõe a equipe de estudantes que atua na empresa júnior de administração da UnB, referência em todo o país. Assumiu uma das diretorias e gosta de conviver com colegas alheios à fixação por trabalhar em órgãos públicos. “Temos consciência de que não somos a maioria”, diz, antes de contar que multinacionais com escritórios ou fábricas em Brasília costumam procurá-los durante processos de seleção para fugir dos alunos-concurseiros. O cenário apresentado pelas pesquisas não deve mudar em menos de 10 anos, na avaliação do presidente do Sindicato dos Administradores do DF, Joel Jorge Filho. Dependerá, detalha ele, da valorização do curso e, sobretudo, de uma mudança cultural. “Na cabeça de muitos pais, ainda reina a ideia de que o filho precisa passar em um concurso para ter a vida tranquila”, comenta o professor, que também preside o grupo de empresários G15.
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