Cristiane Bonfanti – Do CorreioWeb
Uma nova proposta de reserva de cotas deve reacender a polêmica sobre o assunto. Desta vez, no âmbito dos concursos públicos. Projeto de lei em análise no Senado propõe que 5% das vagas das seleções sejam destinadas a candidatos com mais de 60 anos de idade. De um lado, especialistas apontam o crescimento da população idosa, que hoje é de cerca de 21 milhões de pessoas ou 11,3% do total, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De outro, questionam até que ponto a medida pode ferir a Constituição e o fato de que, por lei, o servidor deve se aposentar, obrigatoriamente, aos 70 anos de idade. Se o texto passar a valer, os selecionados pela nova política trabalharão, no máximo, 10 anos para o Estado.
Contrário à proposta, Marco Carboni, coordenador dos cursos fiscais do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, de São Paulo, avalia que a reserva de vagas abriria espaço para uma série de distorções nas seleções públicas. “O projeto é um retrocesso e um desrespeito à isonomia que a Constituição prega dentro do concurso e das outras relações. Tanto os idosos quanto os mais novos devem apresentar condições de fazer a prova igualitariamente. Daqui a pouco, haverá cota para quem tem experiência anterior e quem é mais novo”, afirma.
Em defesa da proposta, no entanto, está Cristina Luna, do Canal dos Concursos. Ela argumenta que a dificuldade do idoso de se inserir no mercado de trabalho e a sua responsabilidade, muitas vezes, pelo sustento da família já justificariam a adoção da política de cotas. De acordo com números do IBGE, no ano passado, a contribuição dos idosos no orçamento, em 53% das casas, representava mais da metade do total da renda domiciliar. “A medida vem atender a Constituição, que determina que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas”, diz Cristina. “Além dos concursos públicos, deveria ser obrigatório que a iniciativa privada se comprometesse a absorver parcela destes idosos, como ocorre atualmente em relação aos deficientes físicos”, acrescenta a especialista.
No que diz respeito à comparação com as cotas para deficientes físicos, Cristina acredita que é melhor apontar semelhanças. “Ambos fazem parte de uma minoria alijada do mercado de trabalho por puro desconhecimento de suas habilidades e sabedoria”, opina. O professor da Academia do Concurso Bernardo Brandão, por sua vez, sustenta que a reserva de vagas deve contemplar apenas os deficientes, pois há uma limitação que os impede de concorrer em pé de igualdade. “Esse tipo de ação afirmativa não me parece trazer grandes benefícios aos idosos. Atualmente, em matéria de concurso público, o ensino está muito acessível e democrático. A barreira é mais uma questão de superação pessoal do que de acesso”, analisa.
Concorrência igual
Há cinco anos em busca do sonho de ingressar na Receita Federal, Maria da Conceição Ferreira de Souza, 59, concorda com Brandão. Professora de português, ela quer entrar no funcionalismo porque, em sua profissão, ganha apenas um salário mínimo mensal. Atualmente, conta com a ajuda financeira de uma filha e com a bolsa de estudos em um curso preparatório. Apesar de todas as dificuldades, a pernambucana é contrária à adoção das cotas. “Não vejo necessidade. Sou mãe solteira, criei duas filhas sozinha e, mesmo com problemas de saúde, me debruço sobre os livros todos os dias. Gosto de estudar. Tenho experiência e posso concorrer com pessoas de 20 ou 30 anos de idade”, acredita Maria da Conceição.
Autor do projeto de lei, o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) considera que, quando os idosos não estão mais no funcionalismo público, a sociedade deixa de ser beneficiada pela contribuição social e profissional que pessoas mais maduras e experientes podem oferecer. “Se o texto for aprovado, a entrada de maiores de 60 anos vai ser uma oxigenação na administração pública, pois é a soma da juventude, que tem o preparo das faculdades, com a experiência dos mais velhos”, afirma Valadares. A ressalva do projeto de lei é para os casos em que a natureza do cargo impedir a contratação, como ocorre na carreira militar.
Prejuízo agravado
Para o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Abi-Ramia Caetano, como o idoso vai poder ficar no serviço público, no máximo, 10 anos, a proposta pode aumentar o déficit da Previdência no Brasil. Segundo o especialista, somadas, as despesas previdenciárias dos trabalhadores públicos e privados totalizam cerca de 12% do Produto Interno Bruto (PIB). De cada R$ 3 reais arrecadados no país, R$ 1 é para pagar benefícios previdenciários. “Isso é problemático, pois o Brasil passa por um processo de envelhecimento muito rápido. Se estimularmos o ingresso de idosos, podemos aumentar o rombo nas contas”, analisa Caetano.
Ele acredita que, na maioria dos casos, a proposta vai beneficiar quem já é aposentado. Se a pessoa tiver concluído o tempo de contribuição pela iniciativa privada, ela vai pode continuar com as duas. Caso tenha se aposentado pelo serviço público, terá de optar por um dos rendimentos. “Não deve haver limitação de idade para a entrada. Mas não vejo necessidade para reservar vagas para esse grupo. Do ponto de vista da solvência do sistema previdenciário, é ruim”, observa.
Para o senador Valadares, porém, a reserva não traria prejuízo para os cofres públicos porque o idoso já teria acumulado um tempo de contribuição previdenciária. “A ideia é possibilitar que elas continuem em atividade e, quem sabe, até aumentar o tempo delas de atuação até os 75 anos, porém não de forma obrigatória”.
O projeto foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e aguarda análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Se for aprovado na CCJ e não houver recurso para que seja votado em Plenário, seguirá para análise na Câmara dos Deputados.
* Colaborou Juliana Borre, do Correio Braziliense
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