Edital é mesmo a lei absoluta do concurso público?

Francine Cadó , advogada do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, especialista em direito do servidor

Versa o consagrado aforismo que “o edital é a lei do concurso público”. Essa máxima consubstancia-se no princípio da vinculação ao edital, que determina, em síntese, que todos os atos que regem o concurso público devem ser seguidos. O edital não é apenas o instrumento que convoca os candidatos interessados em participar do certame, mas é também onde constam todas as regras que poderão ser aplicadas a determinado concurso.

O edital é o instrumento que vincula, reciprocamente, a administração e os candidatos, nos ditames por ele fixados. Contudo, por se tratar de ato normativo editado pela administração, deve obediência ao princípio constitucional da legalidade. Esse princípio tem sido modernamente concebido como o dever de a administração pautar suas ações sempre pelo direito, e não meramente pela lei em sentido formal. A afronta a qualquer princípio, em razão de sua indiscutível carga normativa, é entendida como desrespeito ao princípio da legalidade em sentido amplo.

Foi com fundamento nesse entendimento que o pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou duas teses ao julgar o Recurso Extraordinário 898450, que analisava a legalidade de exclusão de candidato a soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo de concurso público, por possuir tatuagem na perna, em local que poderia ficar exposto no exercício de suas funções.

A primeira tese é de que os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter previsão legal em sentido formal e material. Ou seja, além do requisito formal da legislação, as previsões devem respeitar os ditames constitucionais, mormente quando referir-se à tutela ou restrição a direitos fundamentais. Por isso, para não ser restritivo, o edital só poderá prever obstáculos estritamente relacionados com a natureza e as atribuições das funções a serem desempenhadas, para o acesso a cargos públicos.

A segunda tese firmada foi que os editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais. Destacou o relator, ministro Luiz Fux, que a “opção pela tatuagem relaciona-se, diretamente, com as liberdades de manifestação do pensamento e de expressão”, asseguradas pelo artigo 5°, da Constituição Federal. Justamente por isso, ninguém pode, ressalvadas hipóteses específicas e absolutamente justificáveis, ser punido por possuir pigmentação definitiva em seu corpo, sob pena de flagrante ofensa aos mais diversos princípios constitucionais inerentes a um Estado Democrático de Direito.

Como a liberdade de expressão não é algo absoluto, os casos considerados excepcionais e que poderiam resultar em exclusão do certame seriam aqueles desenhos que simbolizam ideias, valores e representações inaceitáveis sob uma ótica plural e republicana, de símbolos largamente repudiados pela sociedade. Nesses casos, as tatuagens demonstrariam uma adesão a ideais totalmente incompatíveis com a própria função pública.

Apesar do posicionamento da Suprema Corte, em alguns concursos ainda há previsões restritivas nos editais, para quem possui tatuagem. Este foi o caso do concurso para soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo. A lei estadual que determina a exclusão de candidato com “tatuagens visíveis” ainda está em vigor. No caso, o Ministério Público moveu ação contra a determinação, o que resultou na suspensão da primeira prova e na concessão de novo prazo para inscrição. Desta forma, a recomendação para os candidatos é a de que, mesmo havendo ressalvas a tatuagens no edital, a inscrição no concurso deve ser feita. Apenas posteriormente o candidato deve buscar reverter eventual impedimento à posse.

Lorena Pacheco

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