Ser concurseiro muitas vezes é associado àquela pessoa enclausurada pelos livros, que passa até os feriados nos cursinhos, sem muito descanso ou vida social. Praticar esportes então, só quando o edital exige teste de aptidão física. Mas, indo contra todo esse estereótipo, Evandro Torezan, que atualmente ocupa o cargo de auditor federal de controle externo do Tribunal de Cotas da União (TCU), é prova de que o equilíbrio também pode trazer bons frutos.
Ele começou a estudar para concursos em 2008, quando ainda morava em Botucatu, São Paulo. Em um belo dia, quando voltou de férias, a falta de energia elétrica devido à falta de pagamento fez com que não houvesse expediente na empresa em que trabalhava. Marido e pai de filho pequeno, ele ficou em alerta e decidiu mudar de vida. “Concluí que precisava de algo mais estável para meu futuro, então, concurso público tornou-se uma opção, pois teria bom salário e estabilidade.”
Como conseguir um novo emprego era urgente, Torezan decidiu distribuir seu currículo e acabou arrumando trabalho em Brasília. Veio à capital em 2009. Aqui, precisou mudar de emprego novamente, mas mesmo assim não estava satisfeito. Foi quando surgiu o concurso público que estava esperando, aberto pelo Ministério da Educação (MEC), que precisava de novos arquitetos de software. A hora havia chegado.
Desde criança pedalar fez parte da vida de Evandro. Quando fez 15 anos, os percursos ficaram mais longos e, aos poucos, o que era brincadeira virou paixão, até se tornar uma necessidade. Mas nada de carreira profissional no esporte, pedalava apenas por prazer.
Com os problemas no trabalho, porém, Evandro viu a paixão pelo ciclismo ameaçada. A decisão de começar os estudos para concursos públicos poderia demandar o sacrifício de parar as pedaladas. Mas, ele acabou conseguindo conciliar, e muito bem, as duas atividades, consideradas essenciais para ele. “Fiz o possível para continuar e, aos poucos, percebi que em vez de atrapalhar, a bicicleta me ajudava. A endorfina liberada após o esporte evitava meu estresse, que poderia me obrigar a parar de estudar. Assim a bike me ajudava a acordar cedo todos os dias, seja para pedalar ou para me preparar para as provas.”
Muito além da disposição física e mental, que são aliadas de todo concurseiro, Evandro credita à bicicleta o aprendizado de valores essenciais para aqueles que almejam o sucesso nos certames públicos, como resistência, resiliência, persistência, força de vontade, velocidade de raciocínio e poder de concentração. “Nos momentos em que pedalava, minha mente viajava nas matérias, fixando e aprofundando os conteúdos. Eu podia pensar nas provas que fiz e que faria, raciocinando sobre o que havia errado e me preparando para não cometer os mesmo erros novamente.”
Concurseiro de primeira viagem, Evandro quis garantir a aprovação desde a primeira seleção prestada. Além de estudar muito e usar a bicicleta como instrumento extra de preparação, ele resolveu apelar para o divino também. “Quando comecei a me preparar para o primeiro concurso que passei, fiz uma promessa: em caso de sucesso, pedalaria, de catedral à catedral, de Brasília até Aparecida, no interior de São Paulo. Uma viagem de 1.700 km.”
Dito e feito. A primeira aprovação veio e foi seguida de muitas outras. Oito, para ser mais preciso, e consecutivas. Pelas contas de Evandro, foram dezoito meses estudando e oito concursos com aprovação. Ele foi nomeado para quase todos, e tomou posse em quatro deles. Os órgãos foram:
“No início, eu estudava quando dava tempo e os assuntos que queria. Com o tempo, fui desenvolvendo um método que deu certo. Passei a planejar o que estudaria e registrar o tempo que me dedicava a cada matéria. Assim esmiuçava todo o edital. Como trabalhava durante o dia, eu estudava de madrugada, de domingo a domingo. E a bike me ajudou nisso. Alguns dias eu acordava para pedalar e outros para estudar. Acordar às 3h e estudar até as 7h se tornou hábito. Depois, pegava o metrô e ia trabalhar. No metrô, tinha pelo menos mais uma hora de estudo por dia.”
Para Evandro, o equilíbrio entre a vida pessoal e os estudos foi fundamental para ser aprovado. “Não estudava à noite, pois era o momento da família em nos finais de semana também não passava o dia todo nos livros, continuava a preparação apenas de madrugada. Dessa forma mantive minha vida social e esportiva para evitar o overtraining de estudo (excesso de dedicação a uma atividade, levando o indivíduo à exaustão). Essa rotina durou cerca de dezoito meses ininterruptos. A constância de estudos me deixava sempre pronto para as provas.”
Para ajudar os concurseiros que hoje estão se preparando para as provas dos concursos já lançados e que ainda estão por vir, o servidor aconselha investir nas atividades esportivas, mas principalmente em esportes individuais, que permitam ao praticante momentos de introspecção, para a internalização do conteúdo estudado, como o ciclismo. “É preciso se dedicar com afinco e constância, e construir cada degrau da escada que leva ao cargo público. Pode demorar, mas uma hora a aprovação chega. Meu conselho é não deixar de se divertir, pois abandonar tudo para estudar pode causar depressão, e praticar esportes regularmente.”
“Há ótimas carreiras, em todas as esferas de governo, é importante escolher aquela que se adeque ao seu perfil. Se há vocação, se o profissional busca estabilidade, a carreira pública é ótima. O Brasil precisa de bons profissionais, dedicados e competentes. Não há espaço para a preguiça. Sinto-me plenamente realizado em ser servidor público. Meu arrependimento, na verdade, é de ter demorado tanto tempo para me decidir a seguir este caminho.”
A trajetória de Evandro Torezan de tão inusitada acabou virando livro. “De catedral a catedral: como passar em concurso público andando de bicicleta” foi escrito pelo próprio ciclista/servidor e conta com detalhes de como a bicicleta o ajudou a passar em tantos concursos públicos. Uma história de fé e determinação, com técnicas de estudo e aventuras vividas pelas estradas de chão do Planalto Central, Serra da Canastra, Caminho da Fé e Estrada Real, percorridas para pagar sua promessa de aprovação. Quem se interessar, pode adquirir o livro aqui. E quem quiser conhecer a história inspiradora ao vivo, no próximo 24 de abril, Evandro Torezan fará uma apresentação no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no evento Ossobuco.
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