Mais de 300 servidores foram demitidos este ano, saiba o porquê

Do Correio Braziliense – A dificuldade de se demitir um servidor — importante em determinados cargos, a fim de impedir que posições político-partidárias influenciem o trabalho, por exemplo — não deve ser encarada como um caminho para não cumprir obrigações e sair impune disso. Os que ganham a vida em órgãos do governo podem ser dispensados por motivos, como improbidade ou desonestidade, ineficiência e até corte de gastos, como previsto no artigo 127 da Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos, e nos artigos 41 e 169 da Constituição Federal.


Segundo o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC), no primeiro semestre deste ano, houve 286 punições expulsivas de agentes públicos no Poder Executivo Federal, sendo 34 no Distrito Federal, que se concretizaram em demissões (19), cassações de aposentadoria — em que a consequência é não receber mais o pagamento — (3) e destituições de comissionados (13). Entre os principais motivos para as sanções estão atos relacionados à corrupção (17), abandono de cargo, falta de assiduidade ou acumulação ilícita de cargos (7).

Para o corregedor-geral da União, Waldir João Ferreira, “pelo fato de o desligamento no serviço público só poder ser aplicado após a apuração de uma irregularidade mediante processo administrativo disciplinar (PAD) que comprove a culpa do servidor, o processo é justo”. Além do caminho mais comum, o PAD, a expulsão punitiva também pode se concretizar a partir de sentença judicial e avaliação de desempenho. Segundo ele, o volume de penalidades aplicadas é influenciado por dois fatores: a prática de atos ilícitos pelo quadro funcional e a capacidade da administração pública de identificar as infrações. Questionado sobre o porquê de os principais motivos de demissão se relacionarem a falta de ética — como recebimento de propinas e uso de bens de repartição para fins particulares —, o corregedor-geral da União esclareceu que isso se dá porque corrupção é assunto sério. “Esses atos ilícitos podem gerar muitas demissões exatamente porque outros, de menor gravidade, são apenáveis com penalidades menos graves (advertências ou suspensões)”, explica.


Professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB), Erlando Silva acredita que existe um preconceito histórico com relação a agentes públicos, e é preciso tomar cuidado na hora de julgá-los. “Só pelo fato de serem regidos pela Lei nº 8.112/1990, eles passam por um processo de avaliação e acompanhamento e não se pode falar que não fazem nada generalizadamente, como se afirma muito por aí”, diz. Para Silva, a corrupção, que gera muitas punições expulsivas, é uma questão cultural. “Esse ato ilegal, que vem desde o Brasil Colônia, pode parecer algo fácil e vantajoso de se envolver, por isso, há servidores que acham que nada será percebido”, comenta. Sobre a quantidade de servidores expulsos no primeiro semestre de 2016, o professor ressalta que “infrações sempre existiram no serviço público, mas a eficácia na fiscalização não era tão grande quanto a de hoje”.


Janete Rodrigues, 43 anos, trabalha no Ministério da Cultura (MinC) há três. Para a doutora em sociologia, que acabou de completar o estágio probatório, é impensável não retribuir com um bom serviço aquilo que recebe. “Tenho plena consciência de que sou privilegiada por ser servidora pública, e o mínimo que posso fazer é trabalhar com honestidade”, comenta ela, que ingressou no órgão como técnica de nível superior e, hoje, é chefe de divisão substitutiva do MinC. Janete acredita que o fato de alguns servidores encontrarem, na estabilidade, motivos para não fazerem os trabalhos pelos quais são remunerados é um problema ético, mas não deve ser avaliado de maneira individual, mas sim, estrutural. “Acredito que não é raro o funcionário chegar à administração pública com uma disposição sincera de prestar um bom serviço, mas, quando se depara com um sistema engessado, cheio de vícios e tem seu trabalho pouco valorizado, acaba sendo desestimulado. Em nenhum dos meus empregos anteriores, na iniciativa privada, encontrei pessoas tão bem preparadas quanto no setor público, mas, parece-me que as habilidades são mal aproveitadas”, opina.


Ela acredita que a legislação que rege o processo de demissão é muito boa e que, se há alguma falha, está na aplicação das normas. “É importante lembrar que o servidor passa por um período de três anos de avaliação: o estágio probatório.

Trata-se de tempo suficiente para averiguar se o servidor tem todos os requisitos necessários para permanecer no serviço público: assiduidade, disciplina, proatividade, produtividade e responsabilidade”, argumenta. Janete acredita que o Projeto de Lei da Câmara n° 4.850/2016 é uma consequência do contexto de instabilidade política e crise institucional e que, em tempos como este, é normal que a sociedade exija mais controle sobre os agentes públicos e mais severidade na aplicação das penas. “É de se esperar, também, que representantes políticos reajam, oportunamente, para responder a essa demanda. O perigo que corremos, com isso, é de que o Estado se torne cada vez mais autoritário; assim, perde-se o direito à presunção de inocência, pois em um Estado autoritário, o pressuposto de que a pessoa é culpada prevalece. Ocorre uma espécie de prejulgamento. Ficaríamos à mercê dos interesses daqueles que têm o poder de julga”, pondera.

Mudança positiva

Para o subcontrolador de Correição Administrativa da Controladoria-Geral do Distrito Federal, Breno Rocha, a Lei Complementar do DF n° 840/2011, sobre os servidores públicos civis da capital federal, e a Lei Federal n° 4.938/2012, com a finalidade de prevenir e apurar irregularidades no Poder Executivo, foram importantes para o melhoramento da fiscalização. “Assim o governo passou a ter mais condições de contar com planejamento e organização nas aplicações das penalidades, pois essas normas regulamentaram os procedimentos administrativos de disciplina e correição, fortalecendo a transparência”, acrescenta. Ele ressalta ainda a importância da publicação das penalidades aplicadas aos servidores no Portal da Transparência, como mais uma forma de combate à corrupção por meio do controle social. Segundo Rocha, no serviço público, o procedimento de demissão obedece a um rito que dá mais garantias ao trabalhador, já que há direito de defesa e todo um processo legal a ser seguido. “Na iniciativa privada, não há essa prerrogativa”, compara.


Outro instrumento que poderia coibir infrações na administração pública é o Projeto de Lei da Câmara n° 4.850/2016, que está em debate em comissão especial no Congresso Nacional. De autoria de Antonio Carlos Mendes Thame (PV/SP), Diego Garcia (PHS/PR), Fernando Francischini (SD/PR) e João Campos (PRB/GO), a proposta estabelece medidas contra a corrupção e demais crimes contra o patrimônio público e ao combate ao enriquecimento ilícito de agentes públicos. O documento altera o Código Penal e o Código de Processo Penal brasileiros e reúne as 10 Medidas contra a Corrupção, iniciativa do Ministério Público Federal (MPF). Considerado um fruto da operação Lava-Jato, o projeto de lei busca aprimorar a legislação de combate à corrupção, ao criminalizar o enriquecimento ilícito e o caixa 2, aumentar as penas e atribuir a atos corruptos que envolvam cifras elevadas o caráter de crime hediondo, dar velocidade a ações de improbidade administrativa, entre outras medidas.


Vários trechos são polêmicos, como o que prevê retribuição financeira para quem contribuir para a obtenção de provas ou colaborar para a localização de bens em ação penal e o que define que provas atualmente consideradas ilícitas sejam consideradas legais, desde que coletadas de “boa-fé” por agentes públicos — o que respaldaria escutas telefônicas não autorizadas, por exemplo. O PL 4.850/2016 também menciona um teste de integridade, inicialmente proposto como uma simulação de oferta de vantagens, sem o conhecimento do servidor público, com o objetivo de testar a conduta moral e a predisposição para cometer ilícitos. A ideia tem sido criticada em audiências e deve ser alterada pelo relator, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). “O teste de integridade tem que ser aplicado somente quando houver fundamentada suspeita de atos de corrupção em qualquer setor da atividade pública, sempre após autorização judicial”, propõe.


Segundo o deputado, a alteração coibiria abuso de autoridade ou a aplicação do teste visando afastar algum desafeto, por exemplo. Procurados pela reportagem, os autores do PL não comentaram o tema até o fechamento desta reportagem. Ricardo Vale, professor de direito constitucional do Estratégia Concursos, critica o fato de o teste de integridade não ser bem explicado no projeto de lei. “Essa medida precisa ser melhor detalhada. Não deveria ser uma ação aplicada a qualquer servidor livremente, pois poderia servir como ferramente de perseguição de desafetos políticos”, comenta. Mesmo que o instrumento seja aplicado apenas diante de uma desconfiança embasada, ele defende que isso seja esclarecido. “O que seria o objeto de uma suspeita? O servidor ter sofrido algum processo administrativo ou criminal, por exemplo?”, questiona. Formado em ciências militares pela Acadêmia Militar das Agulhas Negras, ele acredita que, se virar lei, a medida será uma forma eficiente de combater a corrupção e não afetará servidores corretos.

Lorena Pacheco

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