“A gente tá sempre tentando contribuir com a cidade da melhor forma”

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Nos últimos anos, os brasilienses têm se deparado cada vez mais com as cores e expressões artísticas em forma de grafite em muros, viadutos e equipamentos de rua. Tanto, que muitos são reconhecidos a partir dos traços e de seus desenhos característicos. Nomes como Daniel Toys, Camila Siren, Pedro Sangeon/ Gurulino, o pioneiro Gilmar Satão, Neew, entre outros, já criaram uma identidade com Brasília e representam a arte de rua da cidade pelo Brasil e mundo a fora.
O Parque da Cidade vai ser mais um dos espaços para se conhecer a arte urbana criada por artistas de rua locais. A administração do Parque convidou 8 grafiteiros para transformar os portais de acesso ao Parque em murais artísticos. Caio Aguiar, o Neew, é um dos artistas selecionados, dentro de um projeto de valorização de arte urbana e da história da capital, que homenageia personalidades marcantes. No caso de Neew, a homenagem é ao o arquiteto e urbanista Lucio Costa, que já pode ser visto na entrada pelo Eixo Monumental.

Caio, o Neew, graafiteiro convidado pela Adminsitração do Parque /; Foto CV nov2024

Brasiliense, morador de Arniqueiras, 35 anos, solteiro, formado em design, com foco em design gráfico, Caio se define como artista visual. Fazia grafite como hobby, quando pintava na rua por diversão e nunca pensou em “ganhar dinheiro com isso”. Por meio do design, da arte visual e do grafite, ele encontrou um caminho profissional e há 7 anos se dedica a essa atividade, que tem hoje como principal e com a qual viaja por todo o país. Adotou o nome Neew por admirar Neo, o personagem de Keanu Reeves no filme Matrix, cuja mensagem “tudo o que você acredita, você pode” faz todo sentido pra ele. Encontrei-o pela manhã no seu terceiro dia de trabalho. Com muita gentileza, seriedade e simpatia ele me atendeu e falou comigo sobre seu trabalho, o grafite, a arte de rua e o Parque.

Neew cria mural em homenagem a Lucio Costa/Foto CV nov2024

Perguntas para Neew:

P- Como é o trabalho do artista visual grafiteiro, você tem que tipo de demanda?
R- É um trabalho bem dinâmico, eu tenho um ateliê, então dentro do ateliê eu consigo trabalhar telas com tinta acrílica, tinta óleo, telas de várias dimensões, e também trabalho ilustração no Ipad, onde a gente consegue realizar produtos com as ilustrações. Eu posso fazer canecas, posso fazer camisas, posso fazer tênis pela ilustração. Também consigo fazer na mão, com tinta e pincéis e tem os painéis. O painel, o mural, como esse que estou fazendo aqui, é o meu trabalho preferido, porque é algo muito mais livre, muito mais orgânico, você tem contato com a cidade, tem essa relação com as pessoas, elas chegam, procuram ver o que você está fazendo, “tá legal ou não tá legal”. Porque tem também a parte positiva e a parte negativa, tem gente que entende e tem gente que não entende (esse tipo de trabalho). Mas se eu fosse comparar com 10 anos atrás, quando eu comecei, melhorou 100%, a recepção da cidade é muito boa.
Então é isso, um trabalho bem dinâmico. Hoje eu consigo trabalhar só com isso e viver super bem, porque é uma outra visão, é uma outra dinâmica que a gente tem sobre o olhar da cidade.

P- Dá pra viver do grafite?
R- O grafite é um trabalho mais de rua, mas como artista visual dá pra viver sim, com certeza.

P- Como você diferencia o grafite, o mural, esse tipo de trabalho de rua, da pichação?
R- São estéticas e gostos diferentes. Por exemplo, o grafite é algo mais bonito, tem mais cores, as pessoas se identificam mais. A pichação é uma estética de uma cor só e que está ali pra sinalizar alguma coisa, uma forma de protesto, e vai de pessoa para pessoa. Tem gente que gosta, tem gente que não gosta, tem gente que vê como arte. Particularmente, é uma estética que gosto muito porque conversa com a cidade. Eu vejo que alguém foi ali e fez, mas super respeito as opiniões. Eu nunca pichei, mas sempre fui muito curioso antes de começar a fazer o grafite, achava muito legal a galera que saia pra rua pra fazer isso, me perguntava porque estavam fazendo, o que estavam ganhando, e eu acho que nada, era algo mais de protesto, de estar ali e ser visto. É algo que a gente faz, porém, hoje, eu, Neew, busco fazer algo pra trazer positividade para as pessoas com o o meu trabalho. É um trabalho bem colorido, um trabalho que eu consigo dar interação. Então, essa diferença do grafite para a pichação eu acho que é mais estética mesmo.

P- Existe alguma rivalidade ou preconceito entre os grupos de pichadores e os de grafite?
R- Hoje não mais, antigamente tinha um pouco, mas hoje eu acho que é uma questão de respeito. Por exemplo, se a gente sai pra pintar na rua e tem uma pichação, a gente não passa por cima, justamente pra eles não passarem por cima da gente. É uma questão de respeito mesmo. Se eles chegaram primeiro num lugar, a gente não pinta em cima. É algo pra respeitar, tanto que eles respeitam muito o nosso trabalho, é algo de espaço das ruas, “leis das ruas”, vamos dizer, existe uma “lei”.

P- É uma lei que foi estabelecida sem ninguém falar…?
R- Sem ninguém falar, exatamente. Se alguém foi lá e pegou aquele lugar primeiro, e outra pessoa pintasse por cima, dava uma confusão. E a gente começou a entender que não podia fazer isso. Então, pra manter o respeito, a gente tá lá, e aquele muro lá é de quem chegar primeiro, se tem uma pichação lá, a gente não passa por cima.

P- É interessante porque, no caso da pichação, tem uma postura de protesto, de intervenção, de rebeldia. No grafite parece que é algo mais adequado no sentido de embelezamento e de permissão, você só pinta onde é permitido?
R- Não, hoje, na verdade, 90% do meus trabalhos que tem na rua não tem autorização. Como é que eu vou conseguir essa autorização? Se eu for pedir são vários “nãos” e eu não consigo colocar a minha arte para as pessoas verem.

P- Então é uma intervenção?
R- É também. Por exemplo, nesses viadutos, todos esses lugares que tem grafite, o pessoal vai, chega e pinta mesmo. Por isso que a gente está ligado com a pichação, porque a gente também faz trabalho ilegal. Inclusive lá do outro lado do Parque tem um trabalho que eu fiz, bem bonito, bem colorido, que eu fechei e não tinha autorização. E qual é a ideia? O muro lá tava bem sujo, tava abandonado e a gente chegou lá e quis melhorar. A ideia é essa, tentar melhorar. Lógico que não vou chegar na casa de uma pessoa e vou lá fazer, desrespeitar a casa de alguém. Mas a gente consegue balancear, um lugar abandonado, um lugar que tá sujo, espaços públicos. A gente sempre está tentando contribuir com a cidade da melhor forma. Só que, de fato, se a gente for tentar pegar autorização pra pintar, em qualquer lugar que seja, a gente não vai ter isso e a gente não vai existir.

P- Você frequenta o Parque?
R- Sim, frequento, eu jogo futebol, até os meus 18 anos eu tentei ser jogador de futebol, então eu tô sempre treinando de manhã no Parque, fazendo uma corrida, algo bem simples. Eu gosto muito do Parque porque a gente pode ver pessoas, curtir algo mais de interação mesmo, de família, enfim, ter uma vida saudável. O Parque é muito importante pra isso.

P- E como você vê o Parque em relação a Brasília?
R- Eu gosto muito de Brasília. Eu viajo muito a trabalho, hoje o meu trabalho me proporciona isso, mas eu gosto muito da minha cidade, da recepção das pessoas. Por exemplo, algo que parece simples mas é muito importante: a faixa de pedestre. Geralmente você chega na faixa de pedestre e a galera aqui para na faixa, e nos outros estados a galera não para. Brasília é uma cidade bonita. E o Parque é importante porque a gente precisa de mais espaços assim, pra gente poder ter um lugar pra onde passear, ter um lugar pra ir onde a gente possa ver pessoas. Eu gosto muito de ver pessoas, de chegar num local e ter um monte de pessoas fazendo várias coisas diferentes, então eu acho que o Parque proporciona isso, essa interação mesmo.

P- Qual a diferença de grafitar em Brasília em relação a essas outras cidades que você visita a trabalho?
R- Acho que é a questão de cultura mesmo, do quanto a galera do lugar que você está estuda arte. Em Brasília, como é um lugar que os artistas têm se movimentado muito, tem ganhado esse espaço, diferente de algumas cidades.

P- Qual é a importância do grafite numa cidade, é embelezamento?
R- Não só o embelezamento, é uma forma de protesto, uma forma do artista ser visto e uma forma do artista se comunicar com a cidade, de estar ali e de seu trabalho interagir de alguma forma com as pessoas. Por exemplo, eu recebo muitas mensagens, às vezes de muita gente que eu não conheço e diz que estava triste, viu meu trabalho, e mudou o dia, porque o meu trabalho é muito colorido e viu uma mensagem legal. Então a arte, o grafite, é importante para as pessoas, não só pelo fato de ser bonito, mas de conversar mesmo.

P- Sobre o fato de hoje você estar fazendo um trabalho autorizado e desejado pelo Parque, como você se sente, sendo um dos escolhidos pra fazer esse mural?
R- Eu fico muito feliz e, mais uma vez, ressaltando, eu acho que só estou aqui, e o Parque me selecionou, justamente pela minha persistência de estar pintando na rua, de estar lutando, muitas vezes fazendo um trabalho não autorizado, e a galera estar recebendo isso de uma maneira bem legal, tem gostado de a gente estar fazendo essas intervenções. Então, quando o Parque me convidou pra fazer esse trabalho, eu fiquei muito feliz pelo reconhecimento.~

Mais 3 ou 4 dias e o mural ficará pronto/ Foto CV nov2024

P- Gerar um mural desse pode durar quanto tempo?
R- Varia muito do meu clima, do meu espírito de produção, pode durar dois dias, se tiver que ser em dois dias eu faço. Esse aqui estou trabalhando mais tranquilo, testando coisas novas, já estou aqui há 3 dias e devo terminar com mais 4 dias.

P- Caio, como é você como pessoa?
R- Sou um cara divertido, alegre, gosto de sempre manter as boas energias, gosto de fazer amigos. Eu gosto de estar em contato com pessoas, então eu acho que preciso estar trazendo algo de bom para elas. Claro que eu não consigo ser assim toda hora, mas a ideia é tentar ser assim. Eu sou esse cara, um cara feliz.

P- No que você acredita e que conselho daria para as pessoas?
R- Eu acho que eu sou um cara muito sonhador, porém tudo o que eu sonho eu tenho colocado como meta e objetivo, e até hoje tenho conquistado, de pouquinho em pouquinho, eu tenho conquistado várias coisas. A minha mensagem é a gente acreditar nas nossas ideias, nos nossos objetivos, sonhos, meta, e ir à luta. Trabalhar muito, obvio, porque nada vem de mão beijada, mas acreditar em você mesmo, independente do que as pessoas estão falando, independente do mundo tá fazendo contra ou não, acho que você tem que ser você, porque, quando você começa a ser você, as coisas fluem naturalmente e as coisas vão acontecendo.

As cores e traços de Neew na entrada do Eixo Monumental / Foto CV nov 2024

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