Cosete Ramos, educadora, escritora, pioneira em Brasília, 81
anos, casada, 2 filhos e 3 netos.
Cosete Ramos é uma pessoa muito conhecida em Brasília, como outros pioneiros famosos que chegaram no início, ou até antes, no caso dela, para viver na nova capital. É presidente da Aliança das Mulheres que Amam Brasília, a Amabrasília, e ativista da felicidade.
Encontrei Cosete no Parque num domingo de manhã, abraçando uma árvore. Caminhamos juntas um pouco e depois sentamos para conversar. Foi uma longa conversa porque com Cosete é assim, ela sempre tem muitas histórias pra contar, fala do início de Brasília como se fosse hoje, tem uma memória impressionante, de quem viveu e vive intensamente o dia a dia na cidade. Falamos do início do Parque e do amor dela pelo espaço, do projeto de uma praça que ela tenta criar e do movimento para tornar Brasília Capital da Felicidade. Foi um privilégio ouvi-la e uma alegria encontrá-la, quando pude constatar, passo a passo, a forma festiva como faz suas caminhadas domingueiras no Parque até hoje, como se fosse uma primeira vez. “Sou talvez a mais antiga apaixonada pelo Parque da Cidade, porque o dia que ele começou, eu tava aqui, eu vi! Tinha piscina de ondas, as crianças amavam a piscina de ondas. Era um espetáculo as crianças caindo na água e se deixando levar pelas ondas, era muito bonito. Esse Parque tem histórias maravilhosas”, afirma com sua energia e entusiasmo contagiantes.
Cosete veio para Brasília antes da inauguração por causa do pai, que era deputado federal e amigo do presidente Juscelino Kubitscheck. Ela conta que, quando o presidente JK veio para inaugurar Brasília, trouxe com ele alguns deputados que faziam parte do grupo dele, que ele chamava de grupo mudancista, um grupo a favor da mudança da capital. Então ela e os pais chegaram bem antes da inauguração, período de muitas recordações sobre a saga da construção de uma cidade que tinha prazo pra ficar pronta. E o dia 21 de abril de 1960 ficou marcado como uma das memórias mais importantes da sua vida. Ela estava dentro do Congresso e viu o Presidente JK assinar o decreto de transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília. Recorda que tinha umas 2 mil pessoas dentro do Congresso vibrando, e que o Presidente JK estava muito feliz. Era adolescente na época e o que mais gostou mesmo foi do baile. Na noite do dia 21, colocou um vestido “maravilhoso” e a menina de 16 anos se aprontou toda e foi pro baile, quando foi recebida por D. Sarah Kubitscheck e o Presidente, e lá dançou a note toda, “eu me acabei naquele baile”, conta às gargalhadas.
Difícil parar de ouvir as histórias de Cosete desse início da capital, mas estava curiosa para ouvir o que tinha pra contar sobre o Parque.
Perguntas para Cosete:
P- Você também acompanhou então a não existência do Parque, e depois, quando ele foi inaugurado. Você tem lembrança dessa época?
R- Lembro de grupos de pessoas dizerem que nós precisávamos de um parque, que seria tão bom se Brasília tivesse um Parque, que nós precisávamos ter um lugar onde a gente se encontrasse, onde a gente pudesse ter a sensação de ser feliz até sozinha, ou acompanhada, com o neto, com o filho, com o namorado. Então eu me lembro da população de Brasília sonhar com o Parque.
P- Eram pessoas da sua convivência?
R- Eram pessoas da nossa convivência. A gente conversava e falava de outros parques do mundo. Por exemplo, Nova York, que tem o Central Park, que adoro, mas não é nem metade desse aqui, esse aqui é muito maior que o Central Park e muito mais significativo. Primeiro, porque ele nasceu de um desejo do povo, esse parque não foi construído porque alguém quis, não, o povo quis primeiro. O povo, nós, pessoas que morávamos aqui, e que começamos a falar que era preciso termos um parque. Questionávamos porquê outros países tinham parque e nós não tínhamos. Por que Nova York tinha o Central Park, por que Paris tinha os jardins do Louvre, e nós não? E isso foi entrando na mente das pessoas e começou a ser um movimento consistente, sem ser um movimento organizado, mas um desejo, que aparecia nos jornais, no Correio Braziliense. Se você pegar os jornais da época vai ver vários depoimentos “Ah, precisamos ter um parque!”. Até que realmente nós conseguimos isso, o governador Elmo Serejo criou o Parque, que foi também uma preservação importante de um terreno no meio da cidade. E no começo teve outro nome, do filho dele que morreu, Rogério Piton Farias, e isso ficou um tempo assim, até que a Câmara Legislativa resolveu votar um nome que seria oficial, determinado pela Câmara, que foi o nome mais bonito que poderia ser, o nome da Dona Sarah. Uma praça tem que ter o nome de uma mulher e nenhuma mulher foi mais importante pra Brasília que Dona Sarah, porque ela esteve ao lado de JK desde o sonhar por Brasília, ela esteve ao lado de JK em tudo o que ela pode, então ela merece esse nome.
P- Você tem um projeto de uma praça para o Parque.
R- Nós temos um sonho da Aliança das Mulheres que Amam Brasília de construir uma Praça das Mulheres do Mundo. Por que Praça das Mulheres do Mundo? Não tiramos esse nome do nada. Primeiro, queremos homenagear Dona Sarah, que é o símbolo das mulheres que amam Brasília. Segundo, porque nós temos 133 embaixadas, e aqui tem 133 mulheres falando línguas de outros países, algumas falam até português, mas são 133 mulheres falando as suas línguas. Então nós queremos homenagear essas mulheres. E Brasília é a soma de todos os brasileiros, tem brasileiro do Rio Grande do Sul, como eu, que sou gaúcha, tem brasileiro do Nordeste, como tem brasileiro do Amazonas, as mulheres que vieram para cá são de todo Brasil. Veja que mistura maravilhosa! Mulheres do mundo, porque são todas as mulheres de Brasília, todas as mulheres do Brasil e todas as mulheres do mundo.
P- Como está a situação atual da praça?
R- Ali tem uma pedra, que foi lançada pelo governador Ibaneis. Foi lançada por ele em 2022, em plena pandemia. Nós queríamos lançar pra que ele dissesse que o governo dele apoia essa ideia. Só que agora está parada na Secretaria de Esportes e o processo está parado porque precisa de autorização de um conselho, e até agora nós não conseguimos que ele nos desse autorização, não conseguimos que ele entendesse a grandiosidade de dar esse nome da praça para as mulheres. Então agora vamos voltar à Secretaria de Esportes, vou pedir pro secretário Renato agilize esse processo pra que a gente possa daqui a um ano ter a praça. Nós temos a parceria da Novacap, da Terracap, do Parques e Jardins, vai ser um jardim maravilhoso.
P- Já existe o projeto?
R- Já, o projeto é lindo, tem flores, tem árvores que as mulheres vão plantar e deixar uma alameda de árvores com nomes de mulheres. Nos ganhamos do embaixador da Polônia, uma estátua maravilhosa da mulher que é considerada a mulher mais importante do mundo, a Madame Curie, que tem 2 prêmios Nobel, de física e de química. Nós queremos ter estátuas de algumas mulheres importantes do mundo para as crianças verem e conhecerem quem é, como a estátua da Madame Curie, saberem quem é essa mulher, o que ela fez de importante para o mundo. Então queremos fazer várias estátuas de mulheres, talvez pedirmos pro embaixador da Itália a estátua da Anita Garibaldi, que é heroína no Brasil e heroína na Itália, que lutou de armas na mão pela unificação da Itália. Então temos várias ideias pra cá, para as mães sentarem com as crianças, para termos momento que a gente vem ler, pra uma grande escritora ler o seu livro, um músico vir cantar pra nós aqui na praça, tocar aqui na praça. Então essa praça tem todas essas facetas e a gente pode trazer mães das cidades satélites pra virem conversar com escritores, os pintores podem vir aqui apresentar suas obras de arte. Esse é o meu sonho pra esse pedacinho do Parque. Eu que vi o Parque nascer, eu que estava aqui no primeiro dia do Parque, sou das primeiras. Nós éramos um grupo de pioneiros que queríamos o Parque. O Parque era um sonho dos pioneiros, nós queríamos um grande parque, uma grande praça, e conseguimos. Agora a gente quer uma praça das mulheres do mundo.
P- Você frequenta o Parque até hoje?
R- Até hoje. Todo domingo eu faço a minha rotina, ando uma hora no Parque todos os domingos. A primeira coisa quando chego, eu abraço uma árvore. Abraço, agradeço a Deus pela vida, pela minha família, e por Brasília, por JK. Agradeço a Deus pelas pessoas que estão aqui, abraçada numa árvore. Por quê? Porque árvore é vida, eu quero que ela me dê mais vida! Eu tenho muita vida, sou terrível, entusiasmada, cheia de vida. Aqui, eu começo a andar no Parque, e falo com criança, bato palma pra criança que está correndo de bicicleta, e dou alô para as mulheres, dou bom dia para as famílias, eu faço uma farra. A minha uma hora de Parque é para estar junto de pessoas, para agradecer a Deus. Eu olho pro céu, me vejo esquentada pelo sol, eu agradeço o sol, eu agradeço o céu, eu agradeço tudo! Sabe aquele momento em que você vive a plenitude, um momento de plenitude da sua vida? Eu tenho vários, mais um dos momentos de maior plenitude na minha vida é andar no Parque da Cidade todos os domingos, por uma hora. E o mais bonito, quando eu chego e sou recebida por uma família de lavadores de carro. Todos os domingos eu sou recebida por essa família de lavadores de carro que estão há 40 anos lavando os carros. Eu falo com eles, eu dou um agrado, eu agradeço aquelas vidas deles, que estão fazendo um trabalho tão bonito de limpar os carros no parque. Então eu agradeço gente, agradeço árvore, agradeço água, agradeço terra, e esse chão do cerrado maravilhoso. Quando eu era menina e cheguei aqui, tomei um banho de Cerrado. Me perguntam: Cosete, como é que você se apaixonou por Brasília? Respondo: foi no dia que eu tomei uma banho de cerrado. Que dia foi esse? Antes da inauguração, eu fui passear na W3 e aí veio um redemoinho terrível, porque antigamente tinha muitos, não tinha asfalto, e eu fiquei dentro dele, meu cabelo subiu eu fiquei toda suja, a roupa, o corpo todo, e eu disse: abençoada terra do cerrado, meu amor por você é para sempre!
P- Você lembra quando Brasília foi inaugurada, e hoje já tem uma grande região metropolitana e mais de 3 milhões de habitantes. O que você diria sobre o Parque da Cidade hoje em relação a Brasília?
R- Eu tive nessa semana um dos momentos mais emocionantes da minha vida, eu lancei um sonho pra Brasília, o Brasília Capital da Felicidade. Esse sonho é uma pauta internacional, todos os países do mundo estão sendo avaliados pela ONU usando um índice chamado Felicidade Interna Bruta, FIB. Esse é o índice de felicidade dos países que a ONU há mais de 10 anos avalia. Tudo começou no Butão e eu trouxe para o Brasil o Ministro da Educação do Butão, que criou esse índice FIB, foi no Museu da República. Milhares de pessoas, do lado de fora e do lado de dentro do museu, falando sobre felicidade. Trouxemos o filósofo Leandro Karnal, trouxemos pessoas pra falar sobre ciência da felicidade. Felicidade é uma ciência, felicidade é um índice que mede a felicidade das nações, felicidade é também uma política pública, felicidade é muita coisa no mundo. Então nós tivemos na no dia 13 um dos maiores eventos que, pela primeira vez, trouxe esse tema pra Brasília, e agora faz parte do sonho de muita gente, porque teve muita gente assinando, as pessoas dizendo que querem fazer parte do movimento Brasília Capital da Felicidade.
Se você pegar o Plano Piloto, você já tem aqui um dos maiores índices de bem estar do Brasil. Brasília ganhou o primeiro lugar em qualidade de vida. Nós queremos agora espalhar essa qualidade de vida que temos aqui. Quem sabe um parque em cada cidade? Se cada cidade satélite (eu chamo acidade satélite ainda), se cada RA se movimentar para montar um parque pequeno em torno do qual as pessoas se congreguem, se unam, se encontrem no domingo, já começa a mudar o espírito, já estamos entrando no espírito da felicidade como um bem coletivo, um bem de todos.
P- E você acha que o Parque da Cidade contribui para a felicidade dos brasilienses?
R- O Parque da Cidade é um dos elementos principais. Você avalia a felicidade de um povo por vários indicadores, um dos indicadores é o meio ambiente, qualidade de vida. E esse Parque é o maior do mundo. Esse parque não tem tamanho de tão grande e tão maravilhoso que ele é. Sim, eu quero um Parque da Cidade em cada cidade satélite. O dia que nós tivermos isso, o Distrito Federal está caminhando no sentido da felicidade.
P- Cosete, quem é você, como você se descreve?
R- Um ser humano grato. Um ser humano que acorda o dia, abre os olhos e agradece. Agradece a Deus pela vida, por seus pais, por a terem gerado, seus irmãos, seu marido, sua filha, seu filho, seus netos maravilhosos. Uma pessoa pra quem a gratidão é a primeira palavra que vem quando abro os olhos pela manhã. Essa Cosete está sempre se perguntando, por que o Presidente JK escreveu com a mão dele o meu nome , “depois do discurso da oradora Cosete Ramos, olho agora mais tranquilo o destino da educação do planalto”. Preste atenção, eu tinha 16 anos! “Olho agora mais tranquilo o destino da educação no Planalto”. Como uma menina de 16 anos recebe do presidente que ela ama, o presidente JK, isso escrito com a mão dele? Então eu tenho um legado. Então todo dia eu me pergunto o que que eu posso fazer mais por Brasília, pelo Brasil, e pelo mundo. E fui por isso fui estudar, tenho doutorado em educação pela Universidade da Florida nos EUA, fui escrever livros, tenho mais de 60 livros escritos, dar palestras, já falei pra mais de 350 mil pessoas. A cada dia eu me pergunto o que eu posso fazer mais por essa Brasília que eu amo de paixão.
P- Que conselho você daria para as pessoas?
R- O meu conselho é o seguinte: saia de dentro de você. Ou melhor, traga as pessoas para dentro de você, fique mais rica, se encha de vida. Para que você seja mais rica, mais feliz, mais amorosa, traga as pessoas para dentro do seu coração. Os poetas dizem traga as pessoas para dentro do seu coração. O cientistas dizem traga as pessoas para dentro do seu cérebro. Porque a sua felicidade está dentro do seu cérebro, e à medida que você enche esse seu cérebro de positividade, de beleza, de riqueza de árvore, de água, de gente, você se torna muito mais rica e muito mais feliz. Então encha o seu coração e o seu cérebro de gente que te traz felicidade.
–
One thought on ““Sou um ser humano grato, que acorda no dia, abre os olhos, e agradece.””
Que legal este encontro de duas amigas minhas, Cilene e a professora Cosete. muito bom começar o dia lendo esta entrevista.