Joheser com longboard Joheser Pereira

“Não tenha vergonha de mostrar para as pessoas o que você é”

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Pessoas do Parque

O Parque da Cidade tem uma pista exclusiva para quem sobe ou desce os seus 10Km sobre rodas. Em cima de bikes, patins, skates, os frequentadores se cruzam no vai e vem dos exercícios. Juntam-se a esses, os praticantes de longboard, que surfam no asfalto, e muitas vezes parecem voar com seus movimentos. Outro dia, finalmente consegui falar com um surfista do Parque.

Joheser tem 33 anos, nasceu no interior de Goiás, vive em Brasília desde criança, é morador de Águas Claras. Formado em publicidade, trabalhou na área por 15 anos e decidiu fazer concurso público. Foi aprovado na Polícia Civil, onde atua como policial desde janeiro deste ano. Encontrei-o no Parque com o namorado Johnatan, no momento que finalizavam um passeio de longboard na pista. Conversamos sobre as dificuldades de passar em um concurso tão exigente como da Polícia, as questões que envolvem homoafetividade e respeito, particularmente no trabalho e numa corporação como a Polícia. Ele falou sobre a vida, o longboard e, claro, sobre o Parque da Cidade. Inteligente, simpático, prestativo, consciente, e do bem, Joheser é daquelas pessoas que você conhece, admira e gostaria de ter sempre por perto. Confira a nossa conversa.

Joheser, Johnatan e seus longboards

Perguntas para Joheser:

P- Foi difícil passar no concurso da Polícia Civil?

R- Foi um pouco difícil porque eu comecei a estudar na pandemia, teve o período de pandemia, de isolamento, foi difícil, sim, mas foi gratificante.

P- O que você está achando de ser policial?

R- Estou gostando bastante, não achei que eu fosse me identificar tanto com a área de investigação.

P- O que foi mais difícil nas provas, a parte física ou a parte das matérias?

R- A parte física até que não foi muito, o mais difícil foi tentar controlar a ansiedade, porque juntou tudo, o período de pandemia, que foi difícil pra todo mundo, e o isolamento, porque geralmente quem estuda pra concurso já tem muito isolamento. Então acho que somou tudo, foi um período que até precisei de ajuda psicológica, me envolver com terapia pra conseguir superar, foi difícil.

P- Como foi quando você viu que tinha passado, como se sentiu?

R- Os concursos da carreira policial são um pouco diferentes, porque são várias fases. Se não me engano foram 8 fases durante quase 4 anos. Então, a gente passava uma fase e eu mesmo não me sentia no direito de comemorar ainda porque sabia que tinha outras e não sabia se ia passar. Na última fase, já tinha passado tanto tempo que eu fiquei meio anestesiado, será que eu passei? Será que não passei? Hoje em dia, depois de 6 meses, tá caindo a ficha: nossa, eu consegui! Foi uma vitória importante. É um assunto que eu trato na terapia também, de conseguir comemorar, depois de tanto tempo, quase 4 anos de concurso, muito tempo.

P- E como foi a questão falar da sua homoafetividade na corporação?

R- Olha, na minha vida privada, na minha vida anterior à Polícia Civil, foram casos muito específicos que eu tive de preconceito. Agora na Polícia Civil, desde o curso de formação, eu sempre enfrentei desafios em relação a isso, em relação aos professores, aos colegas de turma. Na minha delegacia tem alguns casos isolados, mas são um pouco mais pontuais, mas no curso de formação foi bem pesado, inclusive tiveram alguns casos bem explícitos mesmo.

P- Você sempre deixou claro que era homoafetivo?

R- Sempre. Quando eu comecei a fazer o curso de formação, eu não sentia necessidade (de falar sobre isso), na minha turma só tinha homens. Mas, com o avanço do tempo, eu fui percebendo que eu precisava me posicionar, porque, se eu não falasse, se eu não colocasse um limite, eu sei que a coisa avançaria muito. Então, mais ou menos no meio do curso de formação, eu peguei a minha bandeirinha do orgulho LGBT, coloquei na minha mochila, e a partir dali eu já delimitei: olha, não vou mais aceitar brincadeiras. E a turma me respeitou a partir desse momento. Os meus colegas, os professores, nem tanto.

P- Então você lida com isso no trabalho de forma natural.

R- Natural, sim.

P- E não admite preconceito?

R- De forma alguma. E na delegacia também. Nos primeiros dias, eu não contei, porque não surgiu o assunto, a gente não falava muito sobre a vida particular, mas com uns dias eu fui falando. Eu já namorava o Johnatan, então falava sempre dele, nas minhas redes sociais, eu sempre adicionei, segui os meus colegas, os meus colegas também me seguiram e nunca deixei de postar fotos da gente junto e de mostrar que a gente era um casal. Tiveram alguns casos pontuais, mas aí também eu já falei: olha, eu sou gay e não vou aceitar esse tipo de comentário. E estou sendo respeitado até agora. E sobre a sua pergunta sobre a corporação, quando aconteceram os casos no curso de formação, eu tive ajuda de alguns profissionais. A gente tem uma associação de policiais LGBT que, inclusive, um dos diretores é um delegado daqui de Brasília, aí ele me ajudou muito, mas foi extra corporação. A corporação em si, eu fiz a denúncia e a única coisa que eles fizeram foi dar prosseguimento à denúncia, mas eu não tive nenhum apoio psicológico, nada, nem me perguntaram.

P- E sobre o Parque, você frequenta desde quando?

R- Na infância e na adolescência eu vinha pra cá esporadicamente, ia no Nicolândia parque, ou então fazer piquenique, mas era muito raro, eu comecei a frequentar mais na pandemia. Foi quando eu comecei a fazer longboard, porque foi um dos processos terapêuticos também que comecei a fazer. Como a gente ficava muito isolado, eu queria uma atividade mais ao ar livre, mas que não tivesse muito contato físico com as outras pessoas, e aí eu achei o longboard, achei que era uma boa saída, e foi quando eu comecei a visitar mais aqui. Na pandemia vinha mais, hoje não tenho tanto tempo, mas sempre que tenho tempo eu venho pra cá, e todo fim de semana. Em Águas Claras, a gente até tem um parque, mas ele não é muito propício pra fazer patinação, skate, porque ele é muito íngreme, tem muitas subidas e descidas. O Parque é mais reto, mais fácil e tem uma pista separada.

P- Você aprendeu a andar de longboard sozinho?

R- Aprendi sozinho e vi alguns tutoriais na Internet também.

P- Como é a sensação de descer a pista no longboard?

R- Eu sempre digo que é indescritível, porque é uma sensação de liberdade. Em Brasília a gente tem um clima muito propício pra isso. Se fosse um lugar mais úmido seria mais difícil, porque o longboard desliza muito na pista, então tem que ser um lugar mais seco mesmo. E aqui, quando eu tô muito ansioso, eu vou andar, a sensação de liberdade, sentir o vento no rosto, sentir a brisa de Brasília… Aqui nesse parque, ver as árvores, agora a gente tem o ipê-rosa florindo, é muito gratificante.

P- Sobre o Parque da Cidade, o que você acha?

R- Eu acho que o Parque da Cidade é muito democrático em alguns aspectos e em outros não. Apesar de ser um parque aberto, acho que falta muito acessibilidade. Eu mesmo comecei a frequentar mais o Parque depois que tive condições de ter um carro, pagar um uber e chegar aqui. Infelizmente eu sei que as pessoas que usam ônibus não conseguem acessar muito, e da rodoviária pra cá é uma pernada. Por exemplo, eu gosto muito de usar o metrô, daqui até o metrô, andando de longboard, é mais meia hora, nesse aspecto é negativo. Mas aqui no Parque a gente consegue acessar muito a questão de cultura, a gente vê diversidade, gente de todo jeito, esportes de todo tipo, agora mesmo está acontecendo um show ali do lado, lá atrás acontecendo uma roda de samba, aqui a gente tem acesso a muitas coisas que em outros lugares de Brasília a gente não tem.

P- E me fala de você como pessoa, como você se vê?

R- Eu sou uma pessoa muito afeto da liberdade, eu gosto muito da minha liberdade, eu gosto muito do dia, gosto muito da luz solar, gosto muito do sol, gosto muito do ar livre. Acho que me considero uma pessoa de cabeça aberta, gosto muito de conhecer novas coisas, sempre busco sair da minha zona de conforto, conhecer outras pessoas, outras realidades, outros esportes, que também gosto muito. Sou muito afeto das artes também. Por causa da minha formação em publicidade, sempre trabalhei com arte, então é uma coisa que me toca muito.

P- Você acredita em quê?

R- Eu acredito na força da vontade, acho que é o mais importante. A minha família morava em Águas Lindas e sempre foi muito pobre, sempre passou algumas dificuldades. Claro que eu reconheço o meu lugar de privilégio, os privilégios que eu tenho, mas foi a força de vontade que me fez chegar onde eu estou,  passar num concurso público, conseguir fazer as coisas que eu quero. Acho que a força de vontade te leva longe.

P- E qual o seria o seu conselho para as pessoas?

R- O conselho principal que eu posso dar é: seja você mesmo, não tenha vergonha de mostrar pras pessoas o que você é. Porque tentar ser outra coisa, fingir que não é o que você é, primeiro é muito dolorido, e outro, as pessoas percebem e não vão te respeitar. Acho que quando você pontua e delimita e fala: eu sou isso, você tem que me respeitar porque eu sou isso, porque eu sou uma pessoa também, é muito importante, é muito forte.

P- Tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer?

R- Eu gostaria que as pessoas conhecessem mais o Parque da Cidade. É um espaço que a gente tem, é privilégio muito grande, um dos maiores parques urbanos do mundo, é o maior da América Latina, e as pessoas não conhecem muito o Parque. Então venham, venham pra cá, venham andar de longboard, de bike, ou a pé mesmo, mas venha conhecer, vale a pena.

Joheser:  longboard é sensação de liberdade

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