O que Bolsonaro quis com seu pronunciamento

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Milhões assistiram atônitos o pronunciamento do presidente da República do Brasil, o cargo máximo do poder executivo.

Em resumo, Bolsonaro defendeu a reabertura de escolas e do comércio, atacou a Globo, desacreditou governadores e prefeitos, jogou para a sua torcida.

Aliás, jogar para torcida ocorre desde o início do governo, e a cada dia, faz com que mais pessoas entrem na torcida contra o próprio, até mesmo aliados.

Muitos políticos e influenciadores se manifestaram contra o pronunciamento, minimamente chamando-o de irresponsável.

Bolsonaro fez uma aposta extraordinariamente arriscada, repetindo o padrão do seu ministro Paulo Guedes, apontando em câmbio flutuante, contando com sua habilidade de vencer o planeta, o universo, claro, também com a ajuda de Deus, que obrigatoriamente deve estar acima de tudo.

Estamos diante de duas crises, a da saúde, que vitimará, diretamente, um pequeno percentual da população (caso o isolamento seja adotado), e a econômica, que poderá trazer o caos, inclusive a desobediência civil, para todos. É importante ressaltar que as duas são igualmente importantes.

Fazer uma quarentena de meses pode nos levar a um estado de barbárie, número de suicídios elevado, rupturas familiares e sociais. Uma quarentena muito curta também se mostra uma ideia ruim, pois aumenta os casos e superlota o sistema de saúde pública.

Trump está fazendo sua aposta diferente de Bolsonaro, até porque não deve ter um histórico de atleta, e quer os Estados Unidos fechado por duas semanas. Mas, também se mostra preocupado com a economia, e por esse motivo costura um socorro de 2 trilhões de dólares. Veja só a diferença com o Brasil, aqui parlamentares querem abrir mão de fundo eleitoral e de cota de gabinete, o que mostra que não entenderam o tamanho do problema, mais jogando para a torcida do que com a racionalidade.

Abrir mão de fundos e até mesmo de salários, é apenas um simbolismo, um populismo, para provar que estão dispostos a sacrifícios. O momento pede outra coisa, inclusive capacidade de governar com responsabilidade, sem se distrair por redes sociais, nem por manifestações de grupos. Temos que pensar em outra razão. Como é que vamos resolver o problema dos milhões de brasileiros que ficarão sem emprego ou sem renda, dado que boa parte atua na economia informal? Não será com simbolismo.

Voltando ao pronunciamento, a postura do presidente foi entendida por muitos como uma tentativa de retomar prestígio, dado que pesquisas mostraram uma recente queda de popularidade individual, ao mesmo tempo que outros cresceram. Os panelaços foram sentidos.

Com seu tom, o presidente certamente falou com quem o apóia. Manteve o moral da tropa elevado, mesmo que perdendo daqueles que o apoiaram por circunstância no passado.

Particularmente, me assombra não haver no governo pessoas capazes de impedir tais arroubos, tanto que já tive a sensação de viver no País das Maravilhas que Alice foi parar, regido por uma rainha louca, que não podia ser contrariada. Alguns alegam que o general Heleno tem esse papel.

Pensei também na pressão de quem fez força para sua campanha. Será que os empresários que o apoiaram, percebendo o caos econômico, exigiram uma posição menos conservadora? Pode ser.

Atacar jornalistas e a imprensa já é lugar comum. Faz parte do jogo de manipulação dicotômica, talkey? O herói precisa de um vilão e o 01 fez de questão de escolher e apontar contra quem está lutando.

A menos que Bolsonaro tenha recebido a garantia da cura do coronavírus, cabe agora ver até quando e como bancará seu blefe.

Negará os números de mortes? Demitirá seu ministro da saúde? Fechará veículos da imprensa? Pedirá apoio do exército para controlar governadores insurgentes? Declarará que o Congresso Nacional é um antro de conspiradores e por isso deverá ser fechado?

Difícil prever algo diante de uma mente imprevisível. De qualquer forma, sua aposta está feita, com o nosso cacife em jogo.

Marcelo Vitorino

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