(por LUIZ CALCAGNO, do Correio Braziliense)(fotos CARLOS VIEIRA- @cbfotografia)
A poucos minutos de o tucano-toco Zazu entrar para a sala de cirurgia e ganhar uma prótese que substituiria a parte superior do bico, quebrado em circunstâncias desconhecidas, a veterinária Gabriella Terra aparentava animação. Cuidadosamente, ela erguia a jaula onde a ave estava até a altura do rosto e sorria com uma expressão carinhosa. “Ê, Zazu! Chegamos até aqui. Depois de quase três meses… Vai ganhar um bico novo”, animava-se a mulher responsável por resgatar o animal na casa de uma amiga no Park Way em fevereiro. No compartimento, o espécime de penas bicolores e olhos grandes, envoltos por pálpebras azuis-escuras, mantinha-se imóvel. O procedimento ocorreu no início da noite de ontem, no hospital veterinário da Upis, câmpus de Planaltina, e durou cerca de uma hora.
O Correio contou a história da ave em 2 de março, dias depois do resgate. O espécime, que à época parecia abatido, ontem estava ativo e irritadiço com a manipulação dos cirurgiões. Zazu pôde passar pela operação após o período de tratamento, em que o veterinário Sílvio Lucena cuidou do animal. Com uma pinça, ele alimentava o pássaro com carne, ração e frutas, e ministrava antibióticos, anti-inflamatórios e analgésicos, para curar a ferida causada pela fratura do bico. No fim do procedimento, a ave despertou com uma versão mais leve e resistente do membro, mantendo as cores do antigo e pronto para ser apresentado a uma fêmea que também vive em cativeiro. Após o período de readaptação, o casal ficará separado por uma grade até que se acostumem com a presença um do outro.
Quando Gabriella o resgatou, percebeu que o tucano possuía uma anilha na pata. O anel indicava que ele é um espécime documentado e criado em cativeiro. O antigo proprietário, porém, nunca apareceu para resgatá-lo. “Conseguimos entrar em contato com a empresa Exotic Life, do veterinário Rodrigo Rabello, que providenciou a prótese e a cirurgia de presente para o Zazu”, lembrou a veterinária. Rabello chefiou a cirurgia do tucano.
Mesmo tendo convivido com humanos durante toda a vida, a ave — que leva o nome do mordomo da animação O Rei Leão — tem a personalidade forte e arredia. Detesta ser pega. Na casa de Sílvio, ficava feliz ao vê-lo se aproximar com a comida, mas o ameaçava para afastá-lo assim que estivesse saciada. “O tratamento só foi possível porque ele nasceu em cativeiro. Se se tratasse de um animal de vida livre, provavelmente morreria pelo estresse causado pelo tratamento”, observou Sílvio.
Procedimento acessível
A tarde no câmpus II da Upis foi movimentada para Zazu. Ele chegou ao local por volta das 17h15. Pouco depois, foi apresentado a um auditório de estudantes de veterinária, onde Rabello explicou como a cirurgia seria feita (leia o Passo a passo).
Ele optou por fazer um trabalho com materiais seguros e acessíveis para demonstrar que o procedimento pode ser repetido por outros veterinários. A matéria-prima da prótese, por exemplo, é barata e não causa rejeição. Além disso, foi desenhado em um software gratuito e reproduzido em uma impressora 3D. “Não se trata de um procedimento estético. É a qualidade de vida do animal que está em jogo”, destacou. Ainda de acordo com Rabello, a equipe de cirurgiões optou por uma prótese que pode ser retirada, caso se quebre por algum motivo. “Ainda assim, é importante lembrar que ela é resistente e tem os pontos de tensão de um bico natural reforçados.
Saiba como foi
1 Antes de ser operado, o tucano Zazu deu início aos tratamentos que possibilitaram que ele enfrentasse a anestesia geral. Com uma pinça, a ave era alimentada a cada três horas com frutas, carne e ração. Também foi medicada com antibióticos, anti-inflamatórios e analgésicos. De acordo com o cirurgião veterinário especialista em animais silvestres Rodrigo Rabello, que chefiou o procedimento, apesar de a colocação da prótese não ser muito invasiva, o uso da anestesia sempre traz algum risco. Além disso, havia o perigo de que as mudanças na rotina provocassem anemia ou outros problemas no tucano. Mesmo assim, ele se manteve forte até a chegada do bico novo.
2 O período de recuperação do espécime antes da cirurgia também foi fundamental para que especialistas construíssem uma prótese nos moldes do antigo bico, que nunca foi encontrado. Para isso, a equipe de Rabello, com a ajuda do também veterinário João Ricardo Nardotto, especializado em diagnóstico de imagem em animais, submeteu a ave a uma tomografia e, com o resultado do exame, construiu uma réplica do que sobrou da parte superior do membro. A ferramenta serviu de molde para a construção do novo, desenhado em um programa de computador.
3 Os especialistas construíram a prótese usando um polímero conhecido como poliácido lático, derivado de milho, que não provoca a rejeição por parte do corpo da ave. Feito em Campinas (SP), objeto foi marcado no ato da fabricação para que pudesse ser corretamente furado no momento da cirurgia. No procedimento, com o tucano anestesiado, o cirurgião Roberto Fecchio furou a prótese e o que restou do bico da ave para fixá-lo corretamente. Na sequência, ele colou a peça no animal com outro tipo de polímero. Para concluir o processo de fixação, Fecchio passou duas hastes de metal pelos buracos feitos anteriormente, passou cabos de metal pelas hastes e as amarrou firmemente e, por último, cobriu os materiais com uma resina da mesma cor do bico, para evitar que ele pudesse enganchá-lo acidentalmente em um galho ou cerca.