Os cãezinhos não vêm com manual de instrução, e às vezes os donos têm dificuldade de impor limites à mascote. “Tão pequeno, ele não vai aprontar nada.” “Ele pode dormir com a gente só esta noite.” “Ele é filhote! É normal roer alguns móveis.” “Ele não gosta muito de visitas, fica assustado.” Daí o tempo passa e a bagunça foge do controle. E agora? Como mudar o comportamento de um bichinho que já tem seus hábitos e manias?
O adestrador Vilmar José de Oliveira, da Funcional Dog, atua no campo há 27 anos e garante ter a solução. É interessante educar o pet desde filhote, mas comportamentos indesejados podem ser corrigidos independentemente da idade.
“Tenho inúmeros casos de cães mais velhos, que, com o reforço positivo, tiveram hábitos transformados”, relata. Cada caso é um caso, mas o adestramento leva, em média, três meses. “As pessoas pensam que bichos idosos são incorrigíveis, mas, na verdade, é um choque cultural. Eles apenas precisam se desestressar de alguma forma”, analisa.
Os métodos hoje usados no adestramento são baseados em estudos do comportamento e não em técnicas de punição ou agressão, como muitos pensam. Vilmar trabalha com a técnica “look at that” (olhe para isso), desenvolvida pela norte-americana Leslie McDevitt, especialista em comportamento canino. O método ensina o cão a olhar para certo objeto ou pessoa, em troca de recompensas. “É um treino de troca. Damos alguma coisa melhor do que a que ele tenta proteger”, descreve. O cão aprende que, se agir de determinada forma, será gratificado.
A gerente financeira Priscilla Matsumaga, 31 anos, tem dois spitz alemães — Kiwii, 5, e Woody, 2. O mais velho não era nada sociável e chegava a ser agressivo com quem se aproximava. Além disso, era muito possessivo com seus brinquedos, o que não facilitou a chegada de Woody. O caçula, por sua vez, era muito medroso. “Ele ficava desconfiado das pessoas, tinha medo de outros cachorros e de objetos maiores do que ele”, recorda Priscilla.
A preocupação maior de Priscilla sempre foi com o comportamento irascível de Kiwii. “Tinha muito medo de ele machucar alguém. Quando estava na cama e alguém chegava perto, às vezes acabava mordendo a pessoa.” Como as mascotes eram muito diferentes entre si, a tutora resolveu pedir a ajuda de um profissional. O adestramento logo trouxe resultados: Kiwii, que antes era agressivo, hoje é mais dócil, pede afago e divide os brinquedos com Woody. “Antes, fazíamos carinho por tempo limitado, porque ele rosnava muito. Agora, já solicita carinho e está sempre próximo de todos”, completa.
As melhorias na vida de Woody também foram significativas. Ele já aceita a companhia de cães maiores e não estranha tanto objetos. Para Priscilla, a mudança no comportamento dos pets foi um avanço. “Se eu soubesse que seria tão positivo, teria começado quando eles eram filhotes, porque várias das coisas que eu fazia (para educá-los) descobri que não funcionam.” Ela tentou, por exemplo, repreendê-los com spray de água e os deixou em cômodos separados. Nada disso adiantou… A cada nova tentativa, Kiwii e Woody respondiam com “birras”, como fazer xixi no lugar errado.
Priscilla procura reforçar o comportamento positivo em vez de focar nos erros. Para alcançar o melhor resultado, procura fazer parte do treinamento. Caso contrário, os cães entendem a mensagem que somente o adestrador sabe fazer aquelas “brincadeiras”. “O que eu sempre recomendo para pessoas com cães mais velhos é ficarem atentas aos sinais de estresse, como bocejar muito, espreguiçar-se demais ou se lamber em excesso. Quanto mais estressado, maior o nível de cortisol. É assim que problemas de comportamento e até de saúde começam a surgir”, completa Vilmar.
O beagle Thor, de 6 anos, também teve a vida transformada com o adestramento. Desde filhote, era muito bagunceiro e destruía tudo o que via pela frente. No começo, sua dona, a professora Tainah Rocha, 36, achava que era normal, pois a raça tem fama de ser agitada. Depois de tentar várias abordagens, sem sucesso, partiu para o a adestramento. “Todo dia, quando eu chegava do trabalho, ele tinha comido algum móvel ou alguma roupa. Não sabia mais como lidar e a melhor coisa foi adestrá-lo.” Depois de alguns meses, Thor começou a abandonar os comportamentos indesejados.
Foi uma surpresa positiva, admite a tutora. Hoje, caminha normalmente na rua com o cão, coisa que antes era impossível. “É ótimo ver que ele aprendeu e, agora, não é mais uma preocupação deixá-lo sozinho, por exemplo. A gente ama tanto esses bichinhos, mas, quanto eles aprontam, ficamos desesperados”, brinca.
Por Marília Padovan*, da Revista do Correio
* Estagiário sob supervisão de Gustavo T. Falleiros.
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