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Emoções domadas
Muitos pensam que cachorros e gatos são muito diferentes do ser humano. Porém, veterinários começam a desvendar a mente dos bichos e atestam: eles sofrem de dramas psicológicos semelhantes aos dos homens
Freud acreditava que poderia curar a mente humana por meio da fala. Após um século, a psicologia está firmada como a ciência que trata e compreende o cérebro do homem. Mas, e os outros animais, como escutá-los? “Os animais têm uma linguagem própria e não verbal. Há testes importantes para aferir desvios comportamentais, que dão os indicativos de uma doença psíquica. Sabemos como eles devem agir, então, oferecemos desafios para os bichos e vemos se eles corresponderão aos nossos estímulos”, esclarece a veterinária Ceres Berger Faraco, integrante da Comissão de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal (Cebea), do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).
Além do comportamento, são analisados três outros dados antes de finalizar qualquer diagnóstico: o primeiro é sobre o período de desenvolvimento, que se refere às emoções que o bicho experimentou na infância; o segundo, o ambiente no qual ele está inserido; e o terceiro tem a ver com a herança genética. “Muitos fatores podem afetar a saúde mental dos animais, como o abandono durante a criação e as turbulências ao longo da gestação. Às vezes, eles entram em um quadro de estresse, ansiedade e depressão por não conseguirem dar vasão a necessidades evolutivas”, afirma Faraco.
Para a veterinária, cada espécie possui particularidades que devem ser respeitadas:”Cães são gregários, necessitam de interação social, porém, muitos vivem grande parte do dia isolados, gerando problemas como automutilação e dermatites.” Em contrapartida, personalidades diferentes também apresentam riscos de fragilidade nas emoções. “Os gatos não são totalmente domesticados. São animais solitários, obrigados a conviver com outros animais e pessoas. Isso pode gerar muitos conflitos, pois eles precisam de muito movimento, mas, vivem confinados em espaços pequenos. Essa questão ambiental está gerando animais estressados, ansiosos e obesos”, acrescenta Ceres.
Uma vez identificado algum problema, as terapias para tratar os bichinhos são personalizadas. É necessário seguir alguns protocolos durante o tratamento de animais com transtornos psíquicos: o manejo, que é a mudança de como os tutores agem com o animal; o ambiente, que é modificar o lar para melhor adequá-lo ao animal; e o terapêutico, que é intervenção farmacológica. Existem casos crônicos que devem ser acompanhados pelo resto da vida. “São usados os mesmos ativos dos seres humanos. Isso assusta muito os tutores, que enxergam com desconfiança o uso de medicação psicotrópica. Via de regra, é necessário fazer uma revisão da medicação a cada dois ou três meses. Em casos crônicos, é feita uma avaliação de seis em seis meses”, esclarece a especialista, que possui formação em psicologia e na área de comportamento animal.
Luto felino
Frajola, de 11 anos, sempre viveu cercada da mais fina companhia. A gata podia contar com a presença de outra gata, a Nina, sua amiga de brincadeiras, além dos cães Simba e Nala. Pouco a pouco, os seus companheiros morreram e a gatinha passou por maus bocados. Ela começou a desenvolver uma cistite intersticial emocional, que é uma inflamação da parede da bexiga devido às perdas.
“Ano passado, a Nina teve um problema de linfoma intestinal, e os veterinários não conseguiam descobrir o que era. Ela foi passando de clínica em clínica. A Frajola acompanhou todo esse processo e, antes da Nina partir, ela apresentou uma cistite emocional. Como era um problema psicológico, começou a tomar uma medicação sedativa. Ela ficava ‘chapada’ e ficava o dia todo dormindo”, afirma a tutora Regina Uchoa, 67 anos.
Após um período usando a medicação, a gata passou por uma desintoxicação e ganhou uma nova rotina de atividades. “Tudo vai depender do manejo com o animal. Às vezes, uma rotina de brincadeiras consegue solucionar muitos problemas de ansiedade e de estresse. É necessário criar estímulos/exercícios que consigam sanar as necessidades de cada bicho”, afirma Humberto Martins, veterinário comportamental.
Depois de quase um ano de luto, Frajola, com o carinho da família, dá sinais de recuperação. “Ano que vem vamos fazer uma reforma na casa, por isso, chamamos o Humberto para fazer uma avaliação e nos guiar no modo como devemos agir com ela. Ela está alegre novamente. Não podemos ignorar todo o sofrimento físico e psicológico que os animais sofrem durante a vida, seja nas casas, nas fazendas ou nos matadouros”, reflete a aposentada.
A gata Frajola apresentou no corpo a dor de ter perdido três amigos. Regina Uchoa compreendeu o momento delicado e buscou ajuda para o bichano
Na saúde e na doença
O poodle Arthur é o companheiro fiel da doutoranda em ciências agronômicas Anne Costa, 30 anos. Ele segue a tutora por todos os lugares e é companhia nas mais diversas situações, até nas adversidades. “Ele vivia com meus pais em Uberlândia, em uma casa enorme e com outros animais. Então, veio morar comigo em uma casa minúscula. No começo, passeava com ele quatro vezes por dia e achava que estava ótimo, porém, começou apresentar um comportamento agressivo, vomitava e tinha uma diarreia inexplicável. Depois de muito tempo, as veterinárias começaram a perguntar como eu agia na frente dele. Foi assim que descobri que minha ansiedade o estava deixando daquela forma”, relata a estudante.
A explicação seria de que pets e cuidadores estabelecem uma ligação emocional muito forte. “Os animais absorvem muito os estímulos do ambiente, por isso, os donos acabam transferindo para eles comportamentos ligados à ansiedade e à depressão. Os sintomas começam sutis, pode ser uma lambeção, arrancar pelos, mas podem se agravar até chegar a um ponto destrutivo”, alerta Humberto Martins.
Anne buscou terapias alternativas para aliviar a angústia do cãozinho e poupá-lo de mais problemas: “Meu chão desabou, pois eu estava fazendo mal para o meu filhote. Primeiro, mudei meu comportamento na frente dele. Depois, busquei um homeopata e começamos a tomar florais. Ele já tem 11 anos, é um senhorzinho, mas conseguiu se recuperar e está com um ânimo de jovem”, comemora a estudante.
Apesar da vitalidade de Arthur, é necessário ter mais cuidado com os bichos idosos, já que eles sentem os efeitos do avanço da idade. Na velhice, assim como acontece com os humanos, eles também sofrem com disfunção cognitiva e podem agir de forma diferente. “Muitos adquirem um comportamento mais atrapalhado. Isso está cada vez mais comum, pois estão cada vez mais longevos. Os sintomas são bem parecidos com o do Alzheimer”, exemplifica a veterinária Ceres Faraco.
Sob controle
Cipó, 3 anos, e Sola, 1 ano e meio, são dois vira-latas que já deram muita dor de cabeça para a tutora, Lorena Nunes, 31. Moradora de uma chácara, a dupla espevitada sempre fugia para as propriedades vizinhas em busca de caça. Na empreitada, eles matavam galinhas criadas por perto, o que gerou inimizade com os donos das pobres vítimas. Para encontrar uma solução e impor limites aos cães, Lorena pediu ajuda a um veterinário especializado.
“Eles ficavam muito tempo ociosos e faltava interação entre os cachorros e os tutores. Era necessário criar coisas para ocupar o tempo deles durante o dia e forjar uma maior ligação entre eles e os humanos. Precisamos mudar os hábitos de toda a família, que se esforçou para suprir essas necessidades”, Explica Edilberto Martinez, veterinário comportamental que tratou os cachorros.
Lorena conta que a experiência foi produtiva: “Primeiro, comecei a praticar atividades com eles e a recompensa era sempre um carinho. Isso nos aproximou muito. Outra coisa importante é que introduzimos, gradativamente, uma galinha para conviver com eles. Eles conseguiram se acostumar em apenas duas semanas”. O resultado: os cães ficaram amigos da galinácea.
“As pessoas sempre pensam que um cachorro que tem disponível um grande quintal está bem assistido, porém, isso não é o bastante. Um que mora em apartamento, mas tem uma rotina bem estruturada e de muito carinho, pode estar mais feliz e distante de um quadro depressivo”, adverte Martinez.
Anne Soares e o cão Arthur iniciaram juntos um tratamento homeopático para ansiedade. Comportamento agitado da dona alterava a personalidade do bicho
Lorena Freitas buscou ajuda de um especialista em terapia comportamental para ensinar aos cachorros Cipó e Sola a conviverem com outros animais. Eles caçavam galinhas na vizinhança por puro ócio e falta de interação com os donos
Sofrimento de berço
Meg é uma shih tzu de apenas 3 meses e meio, mas já enfrentou muitos perrengues. Quando foi adotada por seus tutores, Rodrigo e Karina Loch, já apresentava indícios físicos de que alguma coisa não ia bem no emocional. “Eu não conhecia muito bem a raça, então só percebi o quão magra ela estava, quando veio para a nossa casa”, lembra Kariana. Rodrigo, 33, servidor público, ainda conta que, assim que Meg chegou ao apartamento do casal, perceberam que ela bebia e comia de maneira muito afobada. Isso já era um sinal de alerta.
Comprada em um site de anúncios on-line com apenas 40 dias, Meg apresentou comportamento muito agressivo e destoante do associado à raça. Segundo o especialista em comportamento canino, Lucas Duty, o shih tzu é um cão muito receptivo, que se adapta facilmente ao convívio com outras pessoas e tem um potencial de mordida baixíssimo.
Exatamente ao contrário do temperamento de Meg: “Eu estava no trabalho quando minha esposa me ligou muito chateada porque Meg praticamente arrancou um pedaço do dedo da minha esposa quando ela tentou limpar o olhinho dela. Ela não morde para brincar, morde para se defender mesmo e machuca” relata Rodrigo.
A ideia era esperar Meg completar ao menos 6 meses, mas, por causa do comportamento extremamente agressivo, e até mesmo perigoso para os donos, o pedido de ajuda chegou mais cedo. “Nós procuramos o Meu Amigo Lucas, especialista em comportamento canino. Ele deu uma aula para a gente sobre psicologia canina. A terapia não é só para a Meg, é para toda a família. Nós precisamos aprender a lidar com ela.”
O adestrador Lucas Duty, que trabalha na melhora de Meg, conta são vários os fatores que explicam o comportamento reativo da cadela. “É difícil saber, nós não temos o histórico dela. Ela pode ter sofrido um desmame precoce, ter sido confinada em gaiola ou ter sofrido maus-tratos. São várias as hipóteses”, esclarece.
O tratamento no caso de Meg envolve exercícios para fazê-la se sentir importante e feliz, além de trabalhar a inteligência dela com os comandos mais conhecidos do adestramento, como sentar, deitar, rolar e pegar a bolinha. Além disso, são usadas estratégias para acostumá-la a receber carinho. “A gente já consegue carregá-la. Diria que, de zero a 10, ela merece nota 6 em apenas três semanas de tratamento. Ela melhorou muito”, relata o tutor. Rodrigo conta que, quando a cadela se deixa pegar no colo e receber carinho, é presenteada com um petisco. A ideia é reforçar positivamente o gesto de amor e, assim, treiná-la para aceitar carícias. “É muito importante respeitar o espaço do animal. Quando a Meg não quer ficar no colo, nós não a pegamos”, acrescenta Rodrigo.
O que causou esse transtorno na pequenina ainda é um mistério tanto para o casal quanto para o adestrador. Mas Lucas, que trabalha com comportamento canino há mais de 10 anos, afirma que 75% dos casos de ansiedade ou depressão é causado por ociosidade dos animais. “Hoje, temos cães que ficam mais deprimidos, que têm elevação no seu perfil de ansiedade por conta da separação de seus donos, com horários comerciais compridos. Falta informação. Então, surgem problemas e mais problemas, fazendo com que os cães se tornem cada vez mais doentes” alerta. Mas, segundo ele, existem também casos em que o quadro é resultado de uma causa orgânica, e não comportamental, como ocorre em animais que já nasceram com algum defeito neurológico.
O especialista afirma que é difícil listar uma estratégia de tratamento que funcione com todos os bichos. “Comportamento é coisa muito delicada e tem que ser avaliado individualmente”, alerta. O dono deve estar atento aos diversos sinais que o animal apresenta. Casos em que o cachorro começa a lamber demais determinada parte do corpo ou late em excesso, casos extremos de automutilação ou de comer as próprias fezes são sinais suficientes para procurar ajuda especializada.
O cuidado com o animal já começa no momento da adoção ou da compra. Lucas conta que muitos clientes chegam com um pinscher, que tem um comportamento específico da raça, querendo transformá-lo num golden retriever. “A escolha do animal é essencial para um sucesso futuro. Se eu sou esportista e tenho uma casa, tenho que comprar um border. Se sou sedentária e moro sozinha em um apartamento, tenho que comprar um pug, que não vai latir muito” explica. É muito importante pesquisar antes, já que os animais carregam carga genética que determina muitos comportamentos. Não levar esse detalhe em consideração pode trazer muitos problemas futuramente e levar até ao abandono.
“Hoje, temos cães que ficam mais deprimidos, que têm elevação no seu perfil de ansiedade por conta da separação de seus donos, com horários comerciais compridos. Falta informação. Então, surgem problemas e mais problemas, fazendo com que os cães se tornem cada vez mais doentes”
Lucas Duty, adestrador
Um cão para cada dono
Quem vive em apartamento costuma optar por cachorros de pequeno a médio porte. Mas não é só o tamanho que é determinante. É preciso pesquisar se o animal é muito carente ou ativo. Um cachorro que tem tendência a latir demais, por exemplo, não é ideal porque pode incomodar os vizinhos. Raças como bulldog, bulldog francês, chihuahua, lhasa apso, lulu da pomerânia, maltês, pastor shetland, pinscher, poodle, pug, schnauzer, shih tzu, yorkshire são as indicadas para quem mora em apartamento ou tem uma rotina mais sedentária.
Para quem mora em uma casa, gosta de praticar exercícios ou procura um cachorro mais ativo, raças como border collie, dálmata, jack russel terrier, labrador, pastor alemão, pastor australiano e pit bull são as mais procuradas.
Para quem não tem muito tempo ou disposição para brincar com o pet, gatos são ótimas opções. Eles são animais mais independentes e menos carentes, mas não significa que não precisam de atenção e carinho. Não necessitam de se exercitar muito e se limpam sozinhos, além de já nascerem com o instinto adaptado ao uso da caixinha de areia.
Momento de aprender
Existem períodos da vida em que os animais estão mais sensíveis para aprender e para se prepararem para os desafios que vão enfrentar ao longo da vida. Os cachorros têm essa “janela de aprendizado” entre a quarta e a décima quarta semana de vida. Os gatos têm da terceira à sétima semana. Nesta etapa da infância é importante propiciar os seguintes estímulos:
Expor os animais a um grande número de pessoas.
Aumentar o contato com outros bichos.
Apresentar um grande número de ruídos e de cheiros a eles.
Fonte: veterinária Ceres Faraco.
O adestrador Lucas ajudou Rodrigo e Karine, donos da cadela Meg: agressividade sob controle