Precisamos de zoológicos?

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(por Ana Luiza Carvalho, da Revista do Correio)

Presos em espaços pequenos, longe da vegetação e do clima nativos, sem contato com outras espécies e, muitas vezes, sem qualquer companhia. Segundo ativistas, essa é a realidade enfrentada pelos animais de zoológico. Nesses espaços, eles estariam ainda expostos a maus-tratos e doenças, argumentam os críticos. Em suma, os zoos seriam instituições obsoletas, ainda muito parecidas com seus equivalentes do século 18, cujo objetivo era o entretenimento e a exibição ao público.

Uma vez organizadas, essas “coleções de animais” seriam difíceis de desmontar. Dificilmente, consegue-se reinserir os bichos no habitat natural, posto que eles se desconectaram da coletividade e, muitas vezes, não desenvolveram instintos necessários à vida selvagem. Pesa ainda o fato de que as áreas de origem podem estar degradadas, com comida escassa, poucos corredores migratórios e proximidade de rodovias. Muitos espécimes são visados por caçadores em busca de couro e pele. Nesse sentido, os zoos são um “mal menor”.

Os críticos, porém, cada vez mais tendem para um outro modelo de “tutela animal”, o dos santuários, já bastante difundido na Tailândia e nos Estados Unidos. O principal diferencial seria a extensão da área de inserção, abolindo em definitivo jaulas e gaiolas. O Brasil não tem essa tradição, mas isso deve mudar em breve: está em fase de implantação o Santuário de Elefantes do Brasil, no Mato Grosso. A propriedade tem 1.100 hectares (cerca de 11 km²) e capacidade para até 50 elefantes. Como o cerrado guarda semelhanças morfológicas com as savanas africanas, a adaptação é facilitada. A expectativa é que o lugar receba outras espécies silvestres no futuro.

No início do ano, o Zoológico de Buenos Aires foi fechado e deu lugar a um jardim botânico e centro de resgate de animais exóticos. Esses animais serão enviados para santuários — o Santuário de Elefantes do Brasil já se candidatou a parceiro. “No caso, são duas elefantas, uma africana e uma asiática, que, infelizmente, não podem ficar juntas. Elas estão numa situação muito triste porque ficam presas a maior parte do tempo”, explica Junia Machado, presidente do Santuário de Elefantes do Brasil e embaixadora brasileira do ElephantVoices.

Animais resgatados de circo também se beneficiam desse modelo. As futuras primeiras moradoras do Santuário de Elefante do Brasil têm esse perfil. Maia e Guida são asiáticas, têm cerca de 40 anos e foram criadas num circo de Minas Gerais. Em 2010, elas foram levadas para o zoo de Salvador e, hoje, estão em um sítio, à espera do novo lar. Para que a viagem ocorra, o Santuário dos Elefantes precisa levantar R$ 140 mil até o fim de setembro.

Os efeitos do cativeiro parecem ser especialmente nocivos aos elefantes. Eles têm almofadas nas patas projetadas para grandes caminhadas e bolsa de armazenamento de água, um sinal de que o corpo deles pede movimento. Quando ficam parados em recintos fechados, geralmente de cimento ou chão batido, pisam na própria urina ou fezes e desenvolvem infecções nas patas. Essas infecções são uma causa frequente de morte.

Uma boa causa

A organização lançou uma campanha de financiamento coletivo on-line para alcançar o objetivo de arrecadar o valor. Vários famosos, como as atrizes Fiorella Mattheis, Thaila Ayala e Yasmin Brunet, aderiram à causa. O dinheiro cobrirá as despesas com câmeras de monitoramento, pagamento da equipe e dois containers projetados especialmente para o transporte. As elefantas vão percorrer cerca de 1.600 km, de Paraguaçu até a Chapada dos Guimarães. A expectativa é que a viagem dure entre 3 e 7 dias, dependendo do cansaço das viajantes.

foto: Santuario dos Elefantes/Divulgação.

                          Além do mero entretenimento

Zoológicos modernos têm o importante papel de abrigar animais em situação vulnerável. Com estrutura e grandes equipes envolvidas, essas instituições mudaram sua filosofia: atualmente, privilegiam o bem-estar do bicho em vez do entretenimento. O Jardim Zoológico de Brasília, por exemplo, alega ter feito a transição. Entre outras ações, a equipe do zoo resgatou um tatu-bola — a família o criava em cativeiro para abate (infelizmente, o bicho não pôde ser devolvido à natureza, pois não se adaptaria). Outro indício dos novos tempos: quando o leão Dengo morreu em maio deste ano, não se cogitou substituí-lo. “Não vamos retirar um animal do habitat natural para expor”, diz o diretor do zoo, o biólogo Érico Grassi.

Grassi diz estar ciente das críticas e que a instituição candanga não está fechada ao debate. Tanto é que o Jardim Zoológico planeja um amplo debate sobre o tema a partir de 4 de outubro, Dia Mundial dos Animais. A intenção é aprofundar a discussão, que, segundo Grassi, ainda é muito superficial. “A pessoa vê o animal no recinto e fala: ‘Está preso’. Coloca-se no lugar dele, mas podemos garantir que o Zoológico não é um depósito de animais.” Ele reconhece que o setor passa uma reavaliação e que o Zoo foi fundado em um contexto diferente, em que o entretenimento dos visitantes estava em primeiro plano. “Se o zoológico tivesse surgido em 1972, com as discussões de Estocolmo, talvez a situação fosse outra.”

Outro ponto positivo para os zoológicos seria a questão educacional. A Superintendência de Educação do Jardim Zoológico de Brasília já teria atendido mais de 570 mil pessoas, sendo 300 mil alunos de escolas públicas. As visitas são monitoradas e os animais, apresentados por nome, origem e trajetória individual. As visitações têm regras. O Zoo Noturno, por exemplo, passou por um período de reformulações. Antes o programa funcionava segundas, quartas e sextas-feiras, sem limite de visitantes. Agora, o Zoo Noturno está limitado a quartas e quintas, com turmas de, no máximo, 60 pessoas. Foi feito, inclusive, um estudo para saber o impacto sonoro da caminhada para os animais.

Esse é um ponto que, na opinião de Grassi, deixa os santuários em desvantagem, já que a visitação não é permitida. Ele questiona como seria feita a fiscalização desses locais. “O que existe na lei brasileira são zoológicos e mantenedores, e alguns desses mantenedores se autodeclaram santuários, porque é um nome mais suave”, critica.

Novos parâmetros

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, mais conhecida Conferência de Estocolmo, abriu uma nova perspectiva sobre a preservação dos recursos naturais. Dela resultou uma importante declaração, que, entre outras coisas, repudia a exploração dos animais pelo ser humano.

A morte inútil de Harambe

O debate sobre os zoológicos foi reavivado após o abate do gorila Harambe no zoo de Cincinnati, nos Estados Unidos. Uma criança entrou na jaula do animal e o procedimento do zoológico foi abater o gorila a tiros. O caso dividiu opiniões e setores do ativismo animal, indignados com o que qualificaram de “morte desnecessária”. Os responsáveis pela instituição alegaram que o uso de dardos tranquilizantes não era possível — poderia irritar o bicho ou, ainda, ele poderia tombar sobre o menino.

ENTREVISTA// JADER SOARES

Na opinião do doutor em ecologia pela Unicamp e professor titular do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília, é possível conciliar os vários modelos de proteção animal existentes, porque os objetivos de cada um são diversos.

Qual é a opinião do senhor sobre o sofrimento animal em zoológicos?

Do meu ponto de vista, é uma postura bastante equivocada achar que zoológicos devam ser extintos. Um argumento forte das associações que defendem essa ideia é que os animais sofrem no zoológico, mas isso não é verdade. Existem mecanismos e linhas de pesquisa justamente sobre o bem-estar animal. Os pesquisadores trabalham e adquirem informação sobre técnicas e meios que temos para enriquecer os ambientes em que esses animais vivem, de modo a tornar interessante a vida deles no zoo. Para que não seja apenas confortável no senso de que tem comida, cuidados médicos, mas um desenvolvimento neuromotor e psicológico satisfatório, com integração e benefícios psicossociais. O público em geral vê zoológicos como locais para ver representantes da fauna brasileira e do mundo, mas poucos conhecem de fato o que é uma estrutura necessária para manter esses animais em bom estado de saúde física e bem-estar geral. Trata-se de uma estrutura cara, dispendiosa, mas que rende muitos frutos. Felizmente, não temos aquela situação de animais confinados em pequenas jaulas. Num comportamento estereotipado, ainda pode existir aqui e acolá, porque mudar esse tipo de paradigma demanda conhecimento técnico-científico e massa crítica dos profissionais.

Como os zoos adquirem animais?

Hoje em dia, nenhum zoo obtém animais diretamente da natureza — eles vêm de outros zoológicos, por permutas. Portanto, nasceram em cativeiro e jamais poderão ser repostos na natureza. Eles não têm estrutura social, pais e irmãos com quem possam aprender comportamentos importantes para a sobrevivência — fornecer isso a eles seria absurdamente caro. Há ainda apreensões de animais que vêm de centros de triagem e de situações de resgate. Por exemplo, uma sucuri que estava sendo criada na casa de um sujeito que a capturou no mato, mas deu conta de cuidar. Nesses casos, o tutor doa ou então entrega à polícia florestal, e esse bicho provavelmente não se encontra em condições de voltar à natureza.

Qual é a principal função dos zoológicos hoje em dia?

Eles servem para estudos e para que o público crie laços e vínculos que tragam respeito à fauna e à natureza de um modo geral. Quem vê um urso panda em um zoológico não tem como não se encantar com esse animal — isso cria vínculos entre as pessoas e a vida silvestre. É uma oportunidade de apresentar a magnificência desses organismos e traduzir isso numa atitude positiva. É uma função de educação. Os bons zoológicos são uma grande fonte de informação e, ao contrário do que se possa imaginar, muitos aspectos da fauna brasileira são pobremente conhecidos. São coisas como ciclo de vida, quanto dura a gestação de um animal, o cuidar dos filhotes etc. Estudos na natureza raramente propiciam esse tipo de informação, pois não possibilita o acompanhamento do espécime. Além disso, os zoos cumprem hoje um papel importantíssimo em relação à conservação. Hoje, há várias espécies que têm populações maiores em zoológicos do que na natureza. Se um exemplar nasceu em cativeiro, podemos fazer o cruzamento com animais da natureza, de modo a recuperar genes que estavam praticamente extintos.

O santuário teria então alguma função nesse contexto?

São funções complementares, eu diria. Não dá para ter somente esse modelo de santuário porque a observação, o contato com os animais, ficaria muito restrito. Outro problema é que a gente não tem como reproduzir integralmente a savana africana ou a Patagônia no Brasil. Também não dá pra reproduzir exatamente a floresta tropical úmida em uma região temperada. Então, nem tanto ao mar nem tanto à terra — são coisas complementares. Para a conservação, faz todo o sentido ter um santuário, mas, para a manutenção de algo acessível visualmente a um grande público, não é esse o modelo. Devemos respeitar diferentes linhas de atuação e pensamento, aproveitando o que elas têm de melhor e traçando a complementaridade de ações e abordagens.

Bono Blue

é jornalista, um cão farejador de notícias

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Bono Blue
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