O filme The Avengers: os vingadores (2012) conta a história de heróis que salvaram os seres humanos da destruição causada pelo deus nórdico Loki. O grupo Animal Avengers não luta contra um vilão tão poderoso, mas também enfrenta uma batalha nobre: resgatar animais silvestres com próteses 3D.
O grupo surgiu em 2013 e é formado por quatro veterinários, um designer e um dentista forense. “Nosso primeiro ‘paciente’ foi a tartaruga Freddy. O animal foi resgatado de uma queimada e seu corpo foi duramente atingido pelas chamas. O casco foi dilacerado: sobrou apenas uma carapaça que tinha a consistência de uma casquinha de ferida. Nós conseguimos projetar um novo casco para ele, foi um sucesso”, relata Paulo Miamoto, um dos Avengers e professor de odontologia da Faculdade São Leopoldo Mandic.
Miamoto explica o procedimento passo a passo: “Primeiro, escaneamos um bicho saudável e o nosso paciente. Assim, podemos fazer as comparações e as projeções. Em outro momento, o nosso designer modela digitalmente a prótese. Por fim, imprimimos o objeto em uma impressora 3D, que normalmente é feito de plástico PLA”.
O plástico usado é extraído da cana, o que barateia o preço das próteses. “Eu uso minha impressora particular, que custou R$ 3.800, um ótimo investimento. O nosso material é leve, barato e resistente — o quilo custa de R$ 140 a R$ 150. O bico de um tucano gasta somente 100g. A peça demora cerca 50 horas para ficar pronta”, afirma o pesquisador.
Apesar de a inovação ser acessível, é importante ressaltar que nem todos os animais podem se beneficiar da técnica. O grupo realiza uma análise minuciosa para verificar se o paciente conseguirá resistir à cirurgia e se o problema relatado está em áreas do corpo em que não há perigo de infecções. Regiões com uma grande quantidade de vasos sanguíneos têm risco de contaminação e podem ser muito sensíveis. Até o momento, os casos solucionados pelos Avengers foram de fraturas de bico e de perda de dente ou casco.
Quem vê o tucano Zazu passeando serelepe não imagina todo o sofrimento que ele passou. Em março deste ano, o tucano-toco foi resgatado de um quintal em uma casa na Quadra 15 do Park Way. Ele foi encontrado com uma fratura na parte superior do bico. Veterinários do Zoológico de Brasília se mobilizaram para salvar a ave, que corria o risco de morrer devido à dificuldade em se alimentar.“Esse seria um animal eutanasiado, ou seja, sacrificado, pois ele não conseguiria comer sem ajuda de humanos. Precisávamos encontrar uma solução que desse uma vida independente para ele”, conta Rodrigo Rabello, veterinário do zoo e também Avenger.
“A cirurgia tem os riscos de qualquer outra e é feita com anestesia geral. A recuperação dos animais é quase imediata: em 24 horas, eles se acostumam e passam a se alimentar normalmente. Porém, infelizmente, não podem mais ser reintroduzidos na natureza, pois são casos pioneiros e não sabemos o que pode acarretar na vida deles”, alerta Rabello. O veterinário pede cautela no momento de definir se o animal precisa ou não de uma intervenção. “Não é simplesmente fazer uma prótese — animais que estão bem-adaptados com suas limitações físicas não precisam”, ressalta.
Parceiros na luta
Os Avengers não são os únicos a usar técnicas de impressão 3D na recuperação de animais. A ONG Instituto Vida Livre, que trabalha pelo resgate, reabilitação e soltura da fauna silvestre na região da Mata Atlântica, também comprou a ideia. “O instituto desenvolve muitos trabalhos em conjunto com o Ibama. Eu sou engenheiro de produção e, quando recebemos o caso da tucana Tieta, resolvi mobilizar os colegas para projetar um novo bico. O risco da cirurgia era grande, pois o espécime era idoso”, conta Roched Seba, diretor da ONG e coordenador do projeto.
Tieta é uma das vítimas do tráfico, ela foi resgatada de uma feira de venda ilegal de animais silvestres. “A cirurgia foi um sucesso e ela conseguiu se recuperar rapidamente. Recebemos muitos animais na mesma situação. Neste momento, estamos com um periquito em uma condição semelhante. Estamos planejando como será a reconstrução do bico dele, respeitando as peculiaridades da espécie”, relata Seba.
“Nosso próximo passo é passar o conhecimento adiante. A ideia é que essas técnicas sejam popularizadas e que outros profissionais possam aprimorar as próteses. Estamos planejando um evento de três dias, em São Paulo, que contará com a participação de profissionais de diversas áreas. Provavelmente, ocorrerá em novembro”, convida Paulo Miamoto.
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