(por Bruno Lima/Especial para o Correio)
Com um histórico de irregularidades, alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados e objeto de protestos de ativistas, o canil da Diretoria de Vigilância Ambiental (Dival), onde funciona o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do Distrito Federal, acumula registros de denúncias de maus-tratos e ilegalidades no sacrifício de animais doentes. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), uma ação civil pública, ainda não julgada, cobra R$ 1 milhão do DF por dano coletivo relativo aos supostos abusos. Denúncias feitas, em agosto do ano passado, por funcionários sem formação veterinária que participaram de um curso de reciclagem motivou o processo.
No treinamento, os servidores administrativos receberam orientações de como coletar sangue e vacinar animais. Dois cães que seriam sacrificados foram usados como cobaias durante as instruções. “Os animais que estavam naquele corredor da morte eram usados como cobaias para treinamento de um pessoal que ia fazer um controle de campo. E feles faziam isso sem anestesia. Era aquela mentalidade de que, como o animal vai morrer mesmo, você pode tratá-lo como for”, critica Daniel Odon, presidente da Comissão de Direito dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) e autor da ação.
No documento, o advogado também alega que a eutanásia era feita de forma indiscriminada. Odon, que também preside a Associação dos Juristas em Defesa dos Direitos dos Animais (Ajuda), explica que a Lei Distrital nº 2095/98 estabeleceu etapas no tratamento dos bichos — resgate por meio de organizações, leilão em hasta pública, doação e, em último caso, sacrifício. “Verificamos que a administração daquela época não estava observando esses passos preliminares. Todos os animais que chegavam eram, automaticamente, sacrificados. Tivessem eles problemas ou não, fossem eles agressivos ou não. Era um verdadeiro matadouro”, afirma. Em abril, o juiz determinou à Dival prestar esclarecimento sobre os três últimos meses de atividades da unidade. “No universo de animais que eles apresentaram, 76% eram sacrificados, o que é um absurdo. Esse cenário deveria ser o inverso”, avalia Odon.
De acordo com um levantamento realizado pelo Proanima, em 2015, cerca de 63% dos animais poderiam ter sido poupados. A estimativa da organização é de que, entre 2010 e 2015, 9 mil bichos foram mortos. “Infelizmente, o Centro de Zoonose de Brasília tem muito o que melhorar. Você não pode ter um lugar de recepção de animais se não for para tratá-los. Ali, ou tem que mudar e dar um tratamento digno aos animais ou não tem que existir”, opina a diretora-geral do Proanima, Simone Lima.
O chefe da Gerência da Vigilância Ambiental de Zoonose, Edvar Schubach, justifica o alto índice de mortes pelo estado de saúde dos animais que chegam ao canil. “As pessoas têm que entender que o CCZ não é um abrigo de animais. O índice de eutanásia é alto porque grande parte dos animais que chegam aqui já está muito debilitada, sofrendo muito por causa de alguma doença ou por atropelamento. Esse é o único caminho”, conta. Segundo Schubach, 368 animais deram entrada no centro este ano. O gerente afirma que todas as mortes seguem o procedimento estabelecido em acordo com o Ministério da Saúde — primeiro, o animal é sedado e, em seguida, recebe um medicamento letal na corrente sanguínea. Por fim, o corpo é incinerado.
A 2ª delegacia de polícia (Asa Norte) instaurou inquérito para apurar as denúncias de maus-tratos. Um termo circunstanciado foi lavrado e remetido à Justiça. O Ministério Público do DF acompanha a situação desde 2008. A Promotoria de Defesa do Meio Ambiente afirmou que os principais problemas foram sanados.
Falta de estrutura
Desde 1990 não há concurso para o Centro de Zoonoses. Atualmente, nenhum veterinário de carreira trabalha no local. Os cinco profissionais com formação na área exercem funções administrativas. Além disso, o CCZ conta com apenas uma viatura. A professora de saúde pública da Faculdade de Veterinária da Universidade de Brasília (UnB) Lígia Cantarino ressalta que a falta de estrutura precariza os trabalhos.
A docente avalia que há um senso comum equivocado sobre o trabalho realizado pela zoonose. “As pessoas têm uma ideia um pouco ruim sobre o trabalho da zoonose, mas ele é um órgão de extrema importância. Essas denúncias nem sempre são corretas, às vezes, não procedem, e pioram ainda mais a imagem do órgão. Aquilo ali é um espaço de observação de animais com possíveis doenças que podem ser transmitidas ao homem”, esclarece.
Para a presidente da Federação de Defesa Animal do DF, Carolina Mourão, a solução seria o fechamento do CCZ. “Nós acampamos em frente à zoonose em agosto do ano passado e passamos 17 dias colhendo provas lá. A situação é insustentável”, diz. Ela acusa o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), Laurício Monteiro, de barrar denúncias feitas pelos ativistas. Laurício também pertence ao quadro de funcionários da Dival. O veterinário diz, porém, que as acusações são infundadas e que todas as decisões são tomadas seguindo os parâmetros legais. “O cargo que eu exerço no CRMV não é remunerado. É voluntário. O CCZ recebe todo e qualquer órgão fiscalizatório que queira conhecer as instalações”, garante.
Em nota, a Secretaria de Saúde informou que são passíveis de recolhimento os animais domésticos que podem oferecer risco à saúde da população, seja por disseminação de doenças, seja por estarem transitando em, por exemplo, hospitais. Além de animais agressivos, em sofrimento e com indicação de eutanásia de médico veterinário. Alguns donos de animais que pagaram por tratamentos particulares, mas o animal já não tem chances de vida, preferem realizar o procedimento na Dival, por ser gratuito. Para isso, o dono deve levar o laudo encaminhado pelo veterinário.