Fazia quase um ano que não nos falávamos. De amigos próximos, nos tornamos dois estranhos. Distanciamento potencializado por morarmos em países diferentes. Até que decidi ter notícias, dar um alô e saber como ele andava. A resposta, carregada pela frieza comum às mensagens de computador, me deixou certa de que, para aquela pessoa, o tempo não passou. O tom era o mesmo que me levou a me afastar. O mesmo peso, a mesma postura soberba, vitimizada e julgadora. Senti a fadiga me golpear. Pedi desculpas por incomodar esse desconhecido. O amigo que me cativou em outros tempos, definitivamente, não existia mais. Estava no passado.
Eu só me despedi e apaguei o contato daquele rapaz. Vida que segue. A minha, diferentemente da dele, está no caminho da mudança. Amém! Não sou a mesma de um ano atrás e lamentei por ele ter fincado os pés na mesmice, por se olhar no espelho e só ver a transformação ditada pelo tempo, aquela que se enxerga na aparência. Pelo que soube, agora usa óculos e tem mais fios grisalhos. Também me parece que ganhou algum peso. Mas o espírito e os sentimentos eram os mesmos, estagnados e inertes.
Em um ano, tanta coisa pode acontecer, porém. Um infortúnio quem não aproveita uma das coisas boas da passagem do tempo: a possibilidade de renovação. À minha volta, no ano que passou, vi gente ter coragem de dar fim a casamentos tão longos quanto infelizes. Choraram, sofreram, mas já secaram as lágrimas e encontraram aconchego em braços de novo amor. Vi gente ter a bravura de enfrentar os próprios fantasmas e entrar na terapia. Eu mesma me mantive firme no divã. Procurei da medicina que acalma os nervos às crendices que não resolvem os problemas, mas pelo menos dão sossego passageiro ao coração.
Peguei estrada para ouvir de um sábio o que o desenho do céu, no momento em que nasci, me traria de sorte e de sina pelos meus próximos anos de vida. Não são soluções, sei bem, mas autoconhecimento e livramento são processos solitários. É preciso encontrar o seu, não importam os atalhos.
Em um ano, conheci quem plantou árvores e vi plantas florirem. Minha sobrinha aprendeu a falar, uma amiga teve o segundo filho, o terceiro. Eu cortei o cabelo que mantive longo por anos. Estive em Cancun, na Tailândia, na Grécia e em Nova York e Nova Orleans. Visitei minha avó em Minas Gerais e fui, pela primeira vez, a uma das mais lindas paisagens do Brasil: o litoral norte de São Paulo.
Briguei com algumas pessoas. Selei amizade com outras. Pedi perdão aos que tinha ferido, fui perdoada por uns e ignorada por outros. Teve quem me ferisse também e não voltou para se desculpar. É vida que segue.
Tomei porre, fiz dieta e saí dela.Também comecei a usar óculos,mas cheguei ao fim de mais um ano ilesa: nada de fios brancos. Ainda! Acordei cedo e fiz exercício, em um dia. No outro, deu preguiça, desliguei o despertador e dormi mais um pouco. Tive culpa uma hora, mas me perdoei em seguida. Limpei o armário, me desfiz de roupas que não combinam mais comigo. Comprei novas. Chorei algumas noites sozinha, mas ri muitas vezes acompanhada. É vida que segue.
Quanta coisa pode ser diferente em 365 dias. Meu irmão se mudou de casa e adotou um gato. Minha mãe parece finalmente ter decidido enfrentar o medo de avião e está com passagens compradas para Jerusalém. Pude ver que a fé dela é maior do que o pavor de voar. Acompanhei gente adoecendo e se recuperando. Também me despedi de quem não teve a mesma sorte.
Fico entediada com mesmice, com gente que não se mexe. Todo mundo reclama, é fato, mas é preciso sacudir o que não satisfaz mais e seguir. E não há tempo de esperar para começar na próxima semana, no próximo mês ou no próximo ano. Você corre o risco de tudo mudar a sua volta e só você ficar, inadequado e envelhecido, em um cenário modificado no qual você não cabe mais. Se deixar para depois, pode ser que” o café tenha esfriado, que o dia tenha virado noite, que a chuva tenha passado e a saudade, acabado.”
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