Quando minha amiga colocou o travesseiro nas costas e esticou as pernas na minha cama para, finalmente, assistirmos ao filme Carol, ela deu um suspiro. Era uma respiração profunda de deleite, motivada não pelo nosso programa vespertino de domingo. Ela simplesmente estava feliz pelos minutos de tranquilidade, sem filhos, sem marido, sem ter que dar ordens a empregadas, jardineiros ou controlar os horários. Ela me confessou que a impossibilidade de interrupção na próxima hora a incomodava, tão raro era ter essa chance.
Aquilo me soou estranho porque a calma e os cômodos vazios fazem parte da minha rotina. Fim da sessão e ela voltou para a imensa casa em que mora; para sua rotina atribulada, barulhenta e, certamente, bem mais animada e menos monótona do que a minha. Eu fiquei ali, no meu apartamento, onde vivo, pela primeira vez, a experiência de morar sozinha. Até aquele momento, nunca tinha ouvido o silêncio da minha própria casa. O episódio me fez refletir sobre como é bom estar com a própria companhia, ainda que, às vezes, sejamos tão insuficientes para nós mesmos.
A artista mexicana Idalia Candelas também andou pensando sobre o assunto. As impressões dela foram traduzidas em uma série de desenhos em preto e branco que ganhou o nome de Solidão pós-moderna. As imagens, publicadas no livro Alone, representam as cenas de uma mulher que mora só e faz coisas que Idalia considera um privilégio para quem não divide o lar com alguém. A ideia dela é pôr fim à ideia de que moça solteira é solitária e deprimida. Ao contrário, a mulher criada pelos traços da mexicana é bonita, sexy e aparentemente bem resolvida.
Mas confesso que, apesar de achar as imagens interessantes, considerei clichês os contextos nos quais a personagem foi inserida. Foi reforçada a tese de que morar sozinha é poder lavar louça sem roupa, deitar-se no sofá para ler um livro ou andar de calcinha pelos corredores. Penso que isso você pode fazer ainda se divide espaço com um companheiro. Casas grandes também permitem morar em grupo e, ainda assim, preservar a individualidade.
Morar sozinha para mim é mais do que se despir ou ter o controle pleno da televisão. Ter uma casa só para você é ter o direito de escolher qual o aroma ganhará cada ambiente do seu apartamento, sem se preocupar se a fragrância embrulha o estômago ou dá dor de cabeça no outro. É transformar seu lar em ponto de encontro das amigas igualmente solteiras, descasadas ou em vias de fazê-lo. É poder fazer noite do pijama com quase 40 anos de idade.
É se permitir chorar alto sem ter de fazer isso debaixo do chuveiro para disfarçar. É se tornar, proporcionalmente ao tempo de autonomia, cada vez mais obsessivo e compulsivo. Naquele espaço, tudo passa a ser da sua cor preferida e ficar na posição que você prefere, sem negociações. É ter o privilégio de escutar só o som que você sintonizar, seja o da televisão, seja o do rádio ou o da máquina de lavar. Nem sua voz faz parte daquele cenário e isso não é triste. Ao contrário, estar só é ter tempo para conversar consigo mesmo.
Mais do que andar de calcinha pela casa, ser solteira é poder vestir a sua lingerie mais linda para dormir, só porque você quer, ter tempo e espaço para se espichar na cama, depois de passar creme nas pernas e nos pés. Afinal, a atenção é exclusivamente para você. Viver só é descobrir que é capaz de cuidar de si mesmo porque você é responsável por toda a ordem daquele lugar. E isso é ótimo! Deus me livre de ser como uma desconhecida que me disse que não estava ciente do valor do IPVA, pois “o marido cuidava de tudo”. Ser solteira é convidar, quando quiser, alguém para cuidar de você e não da planilha de contas.
Ser solteira é aprender a lidar com a solidão, porque ela é mais palpável nesses casos do que quando se está solitariamente acompanhada. É ser obrigada a comer sozinha uma panela de brigadeiro em dias particularmente difíceis porque não há com quem dividir essa culpa. É preferir dormir na ponta de uma cama de 2m de largura só para ficar encolhida e ter a sensação de abraçar a si mesmo. Viver sozinha é também enfrentar corajosamente os dias em que você trocaria tudo isso para chegar em casa e ter um cafuné garantido.