Sim, já fui infiel. Infinitas vezes. E não me olhe com tanto espanto por declarar o ato publicamente nem faça julgamentos precipitados. Todos cometemos pequenas traições diariamente. Na maioria das vezes, são deslealdades não programas e indolores ao traído. Na verdade, me dei conta de que sou uma tremenda infiel dia desses, quando cheguei, sem avisar, ao salão de beleza que sempre frequentei. André, o dono, meu maquiador e cabeleireiro eleito nos momentos mais importantes da minha vida há anos, não me reconheceu. Quando me viu, sorriu sem me identificar. Como assim? Até onde me lembrava não tinha engordado muito nem emagrecido em demasia. Seguia morena e sem bronzeado. Não o via há apenas quatro meses, assim, era tempo insuficiente para que ele me deletasse da memória. Foi quando me toquei: eu tinha cortado os cabelos bem curtos dois meses atrás. Com outro…
Traí o cara que tirou um dia de folga para escolher pessoalmente comigo o arranjo que eu usaria no dia do meu casamento. Traí o cara que fez questão de largar o trabalho e segurar a minha mão no dia em que o noivo me deixou para sempre. Traí o cara que sempre me recebeu de braços abertos salão dele. Mas o cara traído, ao me reconhecer, mais uma vez me ofereceu um abraço, um sorriso e me atendeu, ainda que eu não tivesse agendado a hora. Ainda que o salão estivesse prestes a fechar. Ainda que o filho dele estivesse lá, à espera de irem para casa juntos.
André associou meu temporário sumiço a alguma chateação desconhecida. Disse que estava feliz em me ver. E eu mais ainda de ter tido uma recepção tão carinhosa. Não tinha me chateado com nada. Sem planejar, apenas tinha dado ouvidos a essa nossa incontrolável vontade de experimentar o novo e entrei no salão de outro para tosar os fios. Mas estava de volta e queria que ele cuidasse dos meus cabelos como sempre.
Não foi minha primeira vez. Também fui infiel à minha nutricionista recentemente. Há quatro anos, ela é minha parceira para controlar a insaciedade. Mas fui atraída pelo desejo de conhecer um profissional tido como um bruxo, meio vidente. A proposta foi irresistível para alguém que como eu fica inquieta diante dos mistérios. Fui lá. Vai que ele tivesse uma fórmula mágica para sumir os meus quilos extras… Mas em dietas não há magia e logo agendei um horário com a antiga profissional. Sim, eu estava de volta.
Já traí amigos, que dispensei um dia para sair com gente desconhecida. E quem disse que isso é ruim? Ao contrário, renova as relações. Fato é que se pode conhecer um milhão de pessoas interessantes, mas quando quer estar ao lado de quem te entende de verdade, é para o colo dos velhos amigos que você volta. Você pode experimentar sabores mundo afora, mas quando quer matar a fome da alma, só tempero de mãe resolve. Viajamos para cantos inimagináveis, mas chega uma hora em que só a nossa cama nos descansa. Compramos roupa nova, sapato alto, mas quando o corpo pede conforto é aquela camiseta puída que melhor te veste. Até quando o amor está desgastado, uma traição — conceito de definição muito particular, diga-se — pode ser o que faltava para fortalecer a união.
Traímos e somos traídos todo o tempo. É justamente a busca pelo diferente, a experiência do novo que nos faz valorizar e agradecer o que temos. Pulamos a cerca por curiosidade, por admiração ou por puro enfado. E isso é ótimo. Atraiçoamos algumas vezes porque deixar o conhecido de lado amplia os horizontes, faz refletir e comparar. A vida é uma mudança constante e fica difícil manter igualmente imutável a fidelidade. Parece incoerente, mas justamente essas pequenas desonestidades corriqueiras nos mostra o que é, de fato, verdadeiro. Quando se criam laços de admiração e de afeto, sempre voltamos para a casa. É assim que funciona. Se é real, você vai, mas sempre regressa.
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