Não é história que da internet nem foi um amigo de um amigo que me contou. Um médico me garantiu: o açúcar literalmente tem o poder de curar feridas. Falo dos grãozinhos brancos do açúcar que você usa para adoçar o café, de feridas sangrentas e de pele esfolada. A tese, defendida por alguns estudos, me explicou o doutor, é a de que esse pó mágico teria efeito antimicrobiano, eliminaria as bactérias, forneceria nutrientes para as nossas células responsáveis pela cicatrização. Ainda secaria a ferida, absorvendo a água no local, acelerando a regeneração do tecido. O maior problema, talvez, seja o inconveniente de colocar e trocar o açúcar no local, a cada hora. Fora que há formas mais práticas, ainda que menos doces, de curativos e pomadas anestésicas e antibióticas.
Fato é que essa descoberta foi esclarecedora. Estava explicado por que doces e tortas são os melhores remédios para corações partidos, mentes agitadas e espíritos entristecidos. Mas, na minha opinião, os cientistas se esqueceram de acrescentar que o açúcar ainda cicatriza feridas da alma. Compreendi por que em dias de solidão um pote de sorvete, engolido aos engasgos, é melhor do que muitas companhias e por que, em dias frios, chocolate quente aquece o corpo e também o coração. A medicina, enfim, tinha me dado uma resposta plausível para a insanidade de comer uma caixa inteira de bombons depois de levar um fora, e depois comer mais uma por puro arrependimento de consumir a primeira.
Se pesquisadora eu fosse, arriscaria ir mais além. As comidas em geral debelam males de todas as naturezas. Diminuem a tristeza e aumentam a alegria. Sabores trazem boas lembranças e nos devolvem tempos especiais. O sabor dos pratos, na verdade, temperam as manifestações de afeto.
No fim de semana, dormi na chácara dos meus pais que recebiam uma tia muito amada. No café da manhã, ela fez o mesmo que fazia quando, na infância, eu passava as férias na casa dela em Minas Gerais. Cozinhou um ovo caipira e o deixou no ponto meio duro, meio mole. Quebrou a pontinha, jogou uma pitada de sal e pronto: naquele minuto, voltei à minha primeira década de vida. Confesso que, hoje, não recomendo ninguém a comer um ovo semicru, culpa da chance contrair a bactéria salmonella, comum nesse alimento quando não cozido. Mas preferi correr o risco de uma contaminação a perder a chance de reviver o paparico da tia.
Assim como me entreguei, nessa mesma visita, ao chamego da minha mãe pelo que ela servia à mesa. Quiabo, angu de milho e galinha caipira, tudo para me agradar. Mais mimada ainda, ela me deixou quando perguntou se eu preferia feijão inteiro ou moído. Quem ousaria negar que comida de mãe não é um fármaco e dos mais poderosos? Assim como a de avó, pelo menos da minha, que despacha qualquer estado de ânimo borocoxô quando me recebe em sua casa com uma panela de dobradinha fumegante. Ela, que não é de abraçar ou de beijar, me coloca simbolicamente no colo com o gesto de cozinhar aquilo que me apetece.
E são tantas comidas milagrosas, que curam dias ruins, momentos difíceis. Que renovam alegrias, multiplicam as boas energias. No pior período que enfrentei na vida, volta e meia uma amiga me presenteava com um prato de docinho de leite ninho. Eu podia chorar enquanto os comia, mas aquilo funcionava mais que calmante. Alguém tinha feito aquilo especialmente para mim, com a intenção de me ofertar amor em forma de doces.
Tenho dois amigos gaúchos que também já demonstraram mais de uma vez tamanho carinho pela minha pessoa só por causa do cardápio escolhido. O primeiro deles acha insensatez um homem do Sul incluir coxinhas de galinha na lista do churrasco. Ele detesta prepará-las, esbraveja, faz questão de deixar a contrariedade clara, mas todas as vezes em que fui convidada para ir à casa dele, elas estavam lá, no ponto e deliciosamente temperadas. “Só por sua causa”, ele diz.
O meu segundo amigo, conterrâneo do primeiro, já mudou a receita de seu típico arroz carreteiro só porque tenho birra de salsa e não a como nem como remédio. Ele não só retirou o tempero do prato como se lembrou de meu abuso por aquelas, aparentemente, inofensivas folhinhas, anos depois de ter cozinhado para mim pela primeira vez.
E tantas outras delícias que me remetem a pessoas e a momentos especiais. Eu, que sempre pensei ter uma mente gorda, estava aliviada, então, com tal revelação. Se o açúcar seca feridas no corpo ao absorver a água das lesões na pele, também é responsável pelo período de estiagem de lágrimas. Não há choro que resista a uma torta de morango. É bonita e gostosa demais para ofuscá-la com olhos embaçados.
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