Nunca me fantasiei de princesa. Tampouco fantasiei ser uma delas. Não tenho certeza de que cresci querendo ostentar tal prestígio, ainda que, quando tinha pouca idade, adorasse as criadas pela Disney. Mas acho que minha afinidade com essa figura perfeita se restringe ao título que elas ganham. Tenho simpatia pela demonstração de afeto que o substantivo “princesa” carrega. Há que ache cafona, mas pode substituir meu nome por tal vocativo. Certeza de que você ganhará alguns pontos na tentativa de me conquistar.
Nunca me agradou, porém, o roteiro clichê da pobre mocinha que espera o rapaz perfeitinho, de cabelo impecável e roupa sem nenhuma macha, ou sem qualquer rastro amarfanhado, que chega para te salvar. Que aborrecido deve ser sofrer como uma condenada por toda a vida, igual à Cinderela; ficar entre a vida e a morte, como Branca de Neve, ou estar presa em um castelo, como Rapunzel, até o dia em que um salvador do sexo masculino apareça e a vida mude. Para sempre, diga-se. Quanta codependência! Se esse for o preço da felicidade, abro mão, definitivamente, das honrarias de pertencer a uma monarquia.
Mas posso dizer que já não se fazem princesas como antigamente, e elas têm se apresentado, sim, bem mais inspiradoras. Apesar de ter deixado a infância há alguns anos, fui instigada recentemente a conhecer a Vanellope Von Schweetz, a protagonista da animação infantil Detona Ralph. O cenário se passa dentro de um jogo de videogame e Vanellope é a princesa de um reino em que meninas conduzem carros velozes com o objetivo de cruzar a chegada o mais rapidamente possível. Ela é desaforada, marrenta e igualmente encantadora. Dispensa formalidades e troca o vestido volumoso do armário típico de uma excelência por moletom e tênis. Prefere o conforto do algodão em vez da delicadeza seda.
Aprecio, de fato, tecidos nobres e acabamentos impecáveis, mas desprezo as roupas que roubam seu ar e limitam os seus movimentos. Vestidos de anáguas e corpetes sufocantes foram feitos para princesas pacatas, que só esperam, que querem ser conduzidas na garupa do cavalo. Prefiro as que levam desassossego dentro de si, como Moana, a quem fui apresentada na última semana. A princesa de uma tribo comanda o próprio barco. Nada de caronas. Nada de roupas bufantes. Moana só leva no corpo roupas leves, de quem vive em terra esturricada pelo sol.
Moana não é loira nem tem nariz fino. É princesa de pele caramelo e com cabelo frisado. Nada de penteados e topetes na testa. Venellope usa rabo de cavalo com franja na cara. Moana usa os fios encaracolados ao sabor do vento, bagunçado pelo ar ou desmilinguido pela água. Prende-os com as próprias mãos, em coque despretensioso só para se livrar dos fios incômodos. Nada de coroa. Princesa moderna prefere arranjo de flores.
Ser princesa atual é aceitar a parceria do homem. Moana não está atrás de um amor. Ela está em busca de sua missão, de sua própria essência. Tenho aprendido nos últimos anos que só é possível amar o outro quando o amor-próprio está em primeiro lugar. E é isso que ela faz ao tentar atravessar o oceano para salvar sua ilha: cumprir o objetivo de sua existência. Venellope também não está aflita por uma paixão a dois, ela quer mesmo é realizar o sonho de ser uma grande corredora. Elas se amam acima de tudo e os sonhos delas estão em primeiro lugar.
A figura masculina para essas princesas é parceira. Moana precisa da força e da brutalidade funcional de um semideus, Maui, que, por sua vez, é motivado pela docilidade e pela inteligência emocional dessa nobre adolescente. Venellope também se encanta por Ralph, mas não como um amor que lhe trará felicidade, e sim um bravo herói às avessas que pode ajudá-la a realizar seu sonho. Em troca, ela oferece um carinho e uma amizade sincera que esse vilão bonzinho nunca recebeu de ninguém. É um toma lá dá cá. Cada um no seu trono, com papéis distintos e de igual importância.
Se assim for, dou início a meu sonho de ser princesa já na vida adulta. Nenhuma dessas minhas duas inspiradoras usa sapatinho de cristal e, embora eu ame os saltos, gosto mais ainda de saber que posso andar descalça ou de tênis quandoeu bem entender. Minhas heroínas são decididas, apaixonantes, conduzidas pelo amor por elas mesmas. Mulheres assim merecem honrarias. São inspiradoras. Quero ser como elas, e, ao contrário de ambas, pode, sim, me chamar de princesa. Muito prazer!
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