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Quanto custa o amor?

No livro Ostra feliz não faz pérola, Rubem Alves escreveu que “o amor é algo que não se possui, jamais. É evento de graça. Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera”. Concordo com ele, mas como ando meio indisposta e descrente – chamem de mal-amada, se preferirem – com os assuntos relacionados ao coração, preferi não aguardar por esse espetáculo cheio de vontade própria e sem data previamente agendada.

Prefiro seguir minha vida sozinha a fazer parte de uma plateia sem ideia de quando esse show vai começar. Melhor se deparar com uma romântica apresentação itinerante. Vai que, em uma dessas andanças solitárias, você se esbarra com esse evento que nada tem de gratuito. Afinal, amor é troca. Filosofia ingênua a de quem defende que está disposto a dar sem receber.

Não sou mãe, mas arriscaria a dizer que somente os laços de sangue, ainda assim de vínculos reforçados por um cordão umbilical, estabeleceriam o tal amor incondicional, sem qualquer tipo de escambo. O resto tem tabela de valores.

A etimologia do verbo “relacionar-se” já pressupõe conexão. Algo ligado a outro. Um dá, outro recebe e vice-versa. Assim, caro Rubem Alves, concordo que ninguém é dono do amor alheio – aliás, não se doma nem o próprio, sabido que o objeto amado pode perder o encanto  por vontade alheia à nossa -, mas não tente me convencer de que se apaixonar não tem custo. Na verdade, pode sair muito caro.

Amar custa tempo, dedicação. Querer estar com alguém é organizar a lista de prioridades, é abrir mão de preciosos minutos da rotina que você considera a mais importante do mundo para dizer ao outro que ele está incluído nela.

Escolher estar com alguém é deixar de lado uma série de outras possibilidades, tão boas ou até melhores do que a eleita. Isso tem seu valor. E sai uma fortuna quando machuca. Romance provoca dor quando acaba. Tudo que começa termina, e o encontro pressupõe a separação, ainda que se desconheça quanto tempo durará o intervalo entre um e outro. Fato é, que, ao fim,  a conta chegará.

Há quem goste de receber e não quer dar. Meu caro, nem Rubem Braga seria capaz de transformar esse desejo em poesia. É hipótese que não se conjectura. Sendo assim, se não está disposto a pagar para ver, não ocupe uma das cadeiras desse ato no teatro que é a vida.

Não espere pelo amor, mas, se aparecer, aplauda, desfrute, sorria e permita que siga o seu rumo, em outro palco. Amor não é alegria permanente. Para usufruí-lo, é preciso saber a hora de deixar ir.

Flávia Duarte

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Flávia Duarte

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