No último sábado, tinha tempo de sobra e resolvi preenchê-lo assistindo a filmes. Aleatoriamente, escolhi dois que, no fim das contas, me fizeram refletir sobre o mesmo tema: não nos conhecemos a nós mesmos.
Comecei pelo brasileiro “Desculpe o transtorno”, de Tomás Portella. A tentativa da produção é de transformar em comédia a história de um homem, vivido por Gregório Duvivier, que tem duas personalidades: o Duca, carioca debochado, e o Eduardo, o cara certinho e reprimido. Ele se apaixona por Bárbara, na pele de Clarice Falcão, que também evita olhar para a própria vida ao se preocupar em demasia com os dramas alheios.
Na sequência, fui ver “A intrometida”, no qual a viúva Marnie (Susan Sarandon) se vê perdida ao perder o marido. Ela não consegue conduzir a própria liberdade, o dinheiro na conta, os mais íntimos desejos e acaba se afastando dela mesma ao tentar viver a rotina da filha Lori (Rose Byrne) e de desconhecidos a sua volta.
Ambas as narrativas são ficção, mas cheias de personagens reais. Quantos de nós nos encaramos como verdadeiros estranhos? Há tempos, concluí que desde que nascemos somos moldados pelos desejos e mandos do outros.
Criamos um roteiro de vida para caber nas expectativas dos nossos pais, depois, para sermos aceitos pelos nossos amigos, mais adiante, para atrair o olhar e ganhar o amor do sexo oposto. Nos esforçamos o tempo todo para cumprir as normas do trabalho, a etiqueta social e alcançar o pódio construído pela sociedade.
Enquanto isso, nossa essência se encolhe e desaparece diante nos holofotes externos. A luz que esperamos que nos ilumine externamente ofusca nossa vista para olharmos para dentro. Outras vezes, nossa identidade não cabe dentro dos moldes impostos social e culturalmente: explode e grita até ganhar espaço. Sorte de quem a resgata e a liberta.
Foi o que aconteceu com o Eduardo no filme. Durante toda a vida foi o que o pai desejou que ele fosse, mas esqueceu de ouvir o que queria ser. Até que um dia, sua verdadeira essência pediu socorro, e de forma exagerada, o filme mostra que ele se transforma em Duca, o cara que ele gostaria de ter sido.
Tanto medo de atender nossos próprios sonhos e instintos, que ocupamos a mente com a vida do outro. Foi assim com Marnie, que começou a viver a história de desconhecidos e da filha para não ter que traçar seu próprio destino. Mesmo acontece com Bárbara, do enredo brasileiro, que faz de tudo para aliviar a dor do outro para estar enrolada demais para olhar para as próprias.
Eu também poderia viver qualquer um desses três personagens. Também passei muito tempo tentando seguir as regras impostas por alguém para merecer, ao final, uma medalha de ouro e aplausos. Se conhecer dá medo e uma certeza amendrontadora: a de que só você pode saber como se fazer feliz.
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