O fato de ter nascido mulher me roubou o direito de fechar os olhos e sentir o vento; de abrir os olhos e admirar os pássaros ou de buscar as raras flores que, bravamente, nasceram na paisagem na qual predomina a grama seca.
Decidi caminhar no Parque da Cidade, em um dia de semana. De repente, me vi sozinha. Só homens corriam, pedalavam ou andavam na pista praticamente esvaziada. Não me recordo de ter me sentido tão insegura em outro lugar: em uma manhã, no centro da capital do país.
Já não olhava mais para as árvores com admiração, mas, sim, como uma possibilidade de elas esconderem algum predador da raça humana. Qualquer passo que vinha por trás de mim me assustava e me fazia perder o foco da natureza para avaliar minha segurança.
Um perigo que talvez só as mulheres enfrentem em um dia ensolarado: o medo de ser abordada por um homem, violentada ou assaltada por ele. Continuei caminhando, no entanto. Não permiti que o medo me tirasse o prazer daquele momento.
Posso dizer que também fiquei solidária a espécime masculina. Quando você está só em meio a tantos deles, pais de família, trabalhadores, excelentes filhos e maridos, todos viram possíveis psicopatas.
Nenhum deles, me abordou, porém. Apenas um senhor me desejou bom dia só por gentileza e outro balbuciou alguma coisa que meus passos apressados, diante da aproximação dele, não me permitiram ouvir.
Senti pena deles, que se tornam vilões a nossos olhos em situações de vulnerabilidade, mas me compadeci ainda mais de nós. No percurso de 8km, vi uma dezena de mulheres. Apenas duas delas desacompanhadas. Uma em cima de uma bicicleta, o que a tornaria mais ágil na necessidade de fugir. A outra em uma barraca de coco, que provavelmente lhe deixava segura. As demais estavam acompanhadas por homens, que, possivelmente, as protegeria de um igual desconhecido.
Tenho o privilégio de ter nascido branca, ter estudado em escolas particulares, ter uma família estruturada, de poder viajar, de ter trabalho e apartamento próprio. Sendo assim, poucas vezes na vida senti-me oprimida pela condição de ser mulher.
Naquele trajeto, porém, foi impossível não se condoer com as que não tiveram a mesma sorte. Gente como a querida moça que me ajuda na limpeza da minha casa, que sai de madrugada da casa dela para trabalhar, com medo de ser abordada na parada de ônibus, na violenta cidade onde mora.
Ou de não pensar na amiga negra que tem medo de ir para o exterior por pavor da xenofobia dos que se sentem superiores pelo tom da pele clara, ou de outra, de mesma cor, que foi confundida com uma prostituta ao tentar se hospedar em um hotel carioca ao lado do marido loiro e de olhos claros.
Não tenho culpa de ser a minoria entre nós, das que podem se sentir seguras a maior parte do tempo. Terminei o percurso, aliviada por voltar ilesa para casa, mas na obrigação reforçar cotidianamente a empatia por outras, subjugadas por serem do sexo feminino. Então, fui embora ainda mais certa de que feminismo é na verdade um substantivo coletivo.
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