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Para o ano que vem

Ele jamais dava uma resposta afirmativa de imediato. Nunca era impulsivo. Desde os grandes planejamentos, como comprar um apartamento, a um simples jantar na casa de amigos, sempre dizia que precisava de tempo para pensar. “Amanhã a gente decide.”; “Depois a gente vai”; “No próximo ano a gente compra”, justificava. Mas o dia seguinte teve prazo definido. Um diagnóstico, incurável, de câncer de cérebro deu a ele a expectativa de dois anos de vida. Viveu um ano e meio.

Nas incontáveis vezes em que o surpreendi calado, com o olhar distante, tenho certeza de que refletia que já não dava mais tempo para adiar planos. O futuro não viria. Lamento, todos os dias, desde então, de ele ter vivido a dor de conhecer, e sentir, a finitude de forma tão precisa e tão impiedosa. Aí, você se dá conta de que é mesmo uma dádiva ignorarmos diariamente o descontrole do rumo de nossa vida. Um esquecimento que é um erro, porém. Quando a vida me tirou, junto com a partida dele, todos os planos feitos ao longo de 16 anos, de uma hora para outra, sem escolhas, descobri que o segredo de viver bem está em se entregar ao momento presente.

Não defendo o descontrole, o descompromisso ou a insana impulsividade, mas aprovo a dose de coragem de quem escolhe não esperar demais. Para 2016, rasguei todas as listas. Não enumerei metas, nem tracei objetivos mirabolantes. Não planejo nada que não seja para as próximas horas. E este é o meu voto de ano-novo para todos os meus. Nada de sonhar no papel. A vida pede um pouquinho de urgência, sim, e quem planeja demais corre o risco de não ter prazo de realizar. A regra é um dia de cada vez. Por isso, espero que eu e vocês possamos realizar pequenos desejos ao longo do ano que chega.

Não quero que você fique rico, que tenha um corpo perfeito ou que encontre o amor da sua vida. Prefiro torcer para que não se apegue ao platônico ou à fantasia. Se quiser emagrecer, feche a boca já. Trabalhe com o que goste, mas saiba que ficar rico é para poucos de sorte ou de berço. Quanto ao amor… Ah, se entregue. Pode ser que ele apareça. Há o risco de que nunca venha. Vai saber. Só não gaste energia com uma busca, desenfreada e sofrida, por um encontro a qualquer preço ou cheio de requisitos impossíveis.

Meus anseios hoje estão longe de serem devaneios. Falo de satisfazer o apetite ou de simplesmente encontrar um amigo. Desejo que no ano que vem, você e eu possamos pedir desculpas imediatamente quando descobrir que errou. Não deixe para dizer “no momento mais adequado” o quanto você gosta de alguém. Se quer viajar, faça as contas e arrume as malas. Aproveite para limpar o armário. Convide seus pais para um jantar. Visite a sua avó. Desfaça amizades no Facebook, aquelas que você sequer se lembra de onde as conhece. Delete do WhatsApp quem nunca te responde a um desejo de bom-dia. Repense nos laços com quem nunca tem tempo para você. Não perca tempo com o que te faz sofrer, com quem não te devolve, com o que não te acrescenta. Aproveite seus dias com o que te alegra.

Se sua agenda está cheia de compromissos vazios, não sobra espaço para os que te enobrecem a alma. Um amigo me disse um dia desses algo como: “Garagem ocupada por Fusca velho não dá espaço para o Mercedes chegar”. Tá certo que é filosofia barata de botequim, mas nem Freud seria tão preciso em definir o que isso quer dizer. Desfaça-se do velho para o novo entrar na sua vida. Recomece. Para isso, se preciso, faça como Clarice Lispector sugeriu: vá ali morrer um pouco e volte já. Minha aspiração para 2016 é apenas essa: conjugar os verbos no tempo presente. A ampulheta da vida está correndo e sorte a nossa não saber quando ela vai parar.

Flávia Duarte

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Flávia Duarte

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