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O pai maquiador

O pote plástico deixava à mostra a coleção de batons de uma das mais famosas marcas de maquiagem do mundo. Ao contrário do que se espera das consumidoras da linha canadense, espalhadas pelo mundo, a dona do acervo fashion ainda nem completou 8 anos de idade. Vaidosa, ela sequer reconhece o valor de mercado do produto que tem nas mãos. É atraída apenas pelas cores e pela brincadeira de colorir o próprio rosto. Quem pagou pelo cosmético foi o pai. Ele, aos 39 anos, tomou para si o desafio de aprender os segredos de maquiagem para cuidar da única filha e justifica que batom de qualidade facilita a aplicação. Simples assim.

Ele não tem noção de como aquela definição objetiva e terna me encanta. Acostumada com o modelo em que mulheres cuidam dos homens — e isso inclui desde fazer a comida até comprar as cuecas, como vi acontecer toda a vida na minha família — me embeveceu imaginar aquele cara concentrado nos traços muito pequenos e delicados dos lábios da sua menina, tentando não errar o contorno do batom.

“Não sei bem como passar nessa parte de dentro”, confessou encafifado, apontando para a lateral interna da própria boca. “Também fico com medo de usar a sombra nesse lugar e cair no olho dela”, mostra com o dedo o canto interno da pálpebra. Ele diz isso sério. Encara a tarefa de embelezar a filhota como uma missão, nunca como brincadeira. Na lista de cuidados com a própria boneca, ainda penteia os finos cabelos da garotinha. Usa delicadamente a escova para que o rabo de cavalo saia o mais perfeito possível para sua habilidade. E lamentou quando a maquiagem para o bailinho de carnaval não saiu a contento simplesmente “por falta de material.”

A primogênita desse advogado ainda não sabe, mas está descobrindo que as mãos fortes de um pai, que são, pelo senso comum, associadas à proteção, são as mesmas mãos delicadas que a deixam ainda mais linda durante o que, para ela, hoje é apenas uma brincadeira de se pintar. Esse pai talvez ainda não tenha ideia, mas está ensinado a essa princesa que as mãos másculas não são apenas as que uma mulher busca para agarrar quando for preciso ter apoio, ou quando a fragilidade física feminina demandar, matematicamente, maior força muscular.

Ela vai entender, mais tarde, que a mesma mão viril também pode ser a que arruma os fios do cabelo ou espalha o blush na pele fina do seu rosto. E quando virar moça, não vai aceitar que uma mão exclusivamente pesada lhe toque. Aposto que vai querer os braços firmes de alguém que a acolha, mas que sejam confortáveis o suficiente para acomodá-la com suavidade.

Conhecer a história desse pai me fez lembrar de uma outra conversa que com uma amiga sobre o mesmo tema. Quando pequena, ela ouvia do próprio que todo pai deve tratar a filha da melhor maneira possível. Para aquele senhor, a sentença não faz parte da obviedade que se espera das relações familiares. Ele é defensor de que a criação de referência masculina se constrói muito cedo, em casa. Assim, quando minha amiga crescesse, ele acreditava, não aceitaria um modelo de homem que oferecesse a ela nada menos do que o de ser muito bem cuidada. Desconfio que a filha do advogado, quando amadurecida for, certamente não vá escolher um amor que saiba lhe aplicar tinta nos lábios. Mas dou uma caixa de maquiagem a quem apostar que ela vai dispensar vida afora qualquer um que não a trate com mesma delicadeza com a qual foi criada.

Flávia Duarte

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Flávia Duarte

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