Dizem que bebês deveriam nascer com manual de instruções anexado. Colado na bunda ou escrito na testa. Tanto faz. Adolescentes idem. Acredita-se que isso facilitaria à beça o entendimento entre pais e filhos. Pouparia anos de culpa dos primeiros e inúmeros conflitos existenciais dos segundos.
Quando adulto, ouve-se a mesma ladainha. Desta vez, porém, proferida pelo sexo oposto. É que um resuminho de como funcionamos talvez tornasse a convivência entre os gêneros mais compreensível e menos desgastante. Tenho certeza de que, se pudessem, os homens teriam um compêndio sobre o modo de pensar e agir das mulheres. E ainda pediriam todas as dicas registradas em um pedaço de papel. Elas já são mais ousadas e arriscam mais palpites sobre determinadas atitudes masculinas, mas certeza também não têm nenhuma.
Eu, por outro lado, sou defensora de que todos nós deveríamos vir ao mundo acompanhado de uma bula de autofuncionamento. Dispenso ler a do outro. Preferia mesmo é ter acesso às minhas próprias orientações de “como funciono”. Afinal, não há ser humano mais complexo de lidar do que nós mesmos. O autoconhecimento é um processo longo, árduo, solitário e de sucesso não garantido. Por isso, um pequeno relatório de como agir em determinadas situações seria de grande valia.
Por exemplo, o manual explicaria como desligar os pensamentos insistentes e improdutivos; onde achar o sono, ou como se livrar do cansaço. Ali também estariam todas as instruções para cuidar do mal de amor: se a cura viria em forma de remédios, de um novo ocupante para o coração ferido, ou se um simples colo de mãe resolveria tudo. Bom seria saber o passo a passo para esquecer alguém, acordar feliz todos os dias e anular a vontade de comer doce. Abaixo dessas dicas, estariam desenhadas as teclas para serem ligadas na função “aceitar o próprio corpo”, e explicaria onde apertar para ser grato à vida que se leva.
Também estaria igualmente satisfeita se a resenha sobre minhas especificações particulares dissesse como agir em casos de fúria. Sou do tipo explosiva e não me orgulho disso. Queria saber onde desarmo a bomba interna na hora da raiva, e também como tornar segredo meus mais sinceros desejos e algumas das minhas conquistas. Facilmente encontraria tais dados impressos, sem investir dinheiro, tempo e algumas lágrimas para descobri-los em um divã.
O fabricante deveria nos orientar, por escrito, qual a profissão seguir e qual o momento de abandonar o emprego que não nos acrescenta mais. Trazer anotado quais as coisas devemos dar importância e como evitar mágoas. Também nos indicaria onde acionar uma sirene barulhenta diante de perigos iminentes, como falsos amigos ou gente invejosa. Há que nasça com a função da intuição ligada no automático, mas é sorte de poucos. Queria encontrar o botão on da minha ou ao menos dar um upgrade nela.
Cada manual de instrução seria, obviamente, pessoal e intransferível. Se é assim, a primeira providência a ser tomada seria desligar, ao nascer, o ouvido para conselhos alheios. Não digo se fechar para o debate, para opiniões, para pontos de vistas diferentes dos meus. Mas desistir da infrutífera tarefa de atender às expectativas alheias e aos comandos de outras pessoas, com especificações diferentes das suas.
Por muito tempo, me corroí de preocupação com o julgamento do outro. Quase perdia um parafuso para saber se minhas reações eram as mais adequadas ou se minhas conclusões, coerentes. Descobri que, se ninguém tem a própria receita de como encontrar o equilíbrio, como poderia esperar que me mostrassem o caminho que eu deveria seguir?
Decidi que eu mesma definiria minhas normas e regras de funcionamento. Talvez, um manual único que nunca seja concluído já que não há máquina perfeita. Menos ainda, um humano. Se exigir demais faz pifar o corpo, dá pane na alma, e alguns danos emocionais não têm conserto. Se tivéssemos uma etiqueta grudada ao corpo, me arrisco a dizer que certamente traria escrito: “Item de uma série de edição limitada e sem peça disponível para substituição.”
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