Na balada brasiliense. Parte 2

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Não tinha como dar errado. A festa prometia ser a aposta certa para acalmar a comichão que, há tempos, me deixava inquieta para dançar. Na programação musical, estavam os sons entoados nos anos 1980: ano em que nasci, cresci e me diverti. Reconheceria as músicas, esbarraria com as pessoas de mesma idade e com afinidade pelo tema. A última vez em que fui a um evento desses, deve ter pelo menos 10 anos. Tanto tempo que Thammy, o filho transgênero de Gretchen, ainda atendia pelo artigo feminino e rebolava com desenvoltura no palco, ao lado da mãe.

Justamente por ser da geração 80, difícil mesmo foi encontrar companhia. Meus amigos trintões estão casados, com filhos, com preguiça ou simplesmente sem saco para baladas. Mas não desanimei! Um casal de queridos solteiros e sem bebês aceitou me acompanhar naquela que prometia ser uma noite, no mínimo, engraçada.

Fomos! A boate estava relativamente cheia para ser 23h. Eu me lembrava de que as festas começavam depois da hora em que todos viram abóbora. Estava tudo muito escuro. Estranhe! Mas a música era boa. De cara, algo como A-ha ou Tears for Fears animavam a festa. Quando os flashes de luz iluminaram aqueles rostos, me dei conta de que eu e meus amigos, passados há meia década dos 30, éramos quase umas crianças ali. A festa que tocava sucesso dos anos 1960, 1970, tinha atraído gente nascida 50, 60, quiçá 70 anos atrás.

Foi uma boa surpresa, porém! Saiba que tem muito senhor e senhora, passados dos 60, que estão dando um show de energia em mim, em meus amigos e em você juntos. Logo notei um homem — cujas rugas denunciavam que deveria ser mais velho do que meu pai, ao menos na aparência — atrás de mim, que se sacudia freneticamente. Ele tinha ritmo. Parecia estar se divertindo como nos tempos da juventude há tanto ida. Tão animado, que quase dei um passo em direção a ele, a fim de entrar naquela dança, mas logo recuei quando o vi agarrar apaixonadamente a senhora que o acompanhava.

Aos beijos, eles me deixavam com inveja de ganhar chamego com tamanho arroubo. Uma paixão longe de ter esfriado com a maturidade. Mas, ao mesmo tempo, esses festeiros idosos, ao menos por definição, me enchiam de entusiasmo por saber que amor e vontade de dançar é algo que não tem idade e muito menos diminui com ela.

Cantaram Michael Jackson, Cindy Lauper, Madonna. Também me sentia uma jovem senhora lembrando meus tempos de adolescência. Sobrava animação em mim e em meus acompanhantes. Ele não quis beber. Ela me propôs o desafio de virar o shot de tequila. Um! Dois! Três! Bebida suficiente para que, em seguida, transformássemos a garrafa de água em microfone. Já não sabia mais o rumo que tinha tomado o casal de mais idade que dançava atrás de mim. Alguns baladeiros de cabeça branca já escolhiam um sofá confortável para recuperar as energias. Eu e minha amiga, ao contrário, animávamos mais. Fizemos passinhos ridículos da adolescência. Demos bundadas mútuas. Sensualizamos com as mãos para o alto. Rodamos. Rebolamos.

Eu, por estar altinha. Ela, por parceria e por diversão. Descontrolada como uma menina que tem a permissão do pai para a ir a uma festa depois de muito tempo, queria aproveitar ao máximo música. Olhar para o lado não ia render mesmo. Não consegui colocar em prática o ensinamento precioso de uma prima solteira descolada. Ela batizou a tática de “olhar de pedreiro”. Basicamente, você fixa o olhar e encara firmemente o alvo. Ele fica tão sem graça que não tem outra escolha a não ser retribuir. “O resultado tem 90% de aproveitamento”, ela me garantiu. Mas, naquela festa, paquera não era o forte. Diferença de idade tem limites, minha gente.

Fui curtir sozinha. Com um salto de 15cm, decidi exibir os passos aprendidos na sensual aula de stiletto. Bate cabelo, joga quadril, faz quadradinho de oito, roda a amiga, pede a ela o namorado emprestado para dançar um bocadinho com um homem da tua idade. Juntas, vocês descem até o chão. Ela te acompanha. Eu insisto, por achar que sou dançarina da Beyoncé, por falta de noção do ridículo e por excesso de tequila. Minha amiga se contém. Eu continuo descendo. As minhas pernas perdem o embalo. Como seu eu tivesse 70 ou 80 anos, perco o equilíbrio, não me levanto mais e, para não cair, decido me sentar no chão. “Isso já aconteceu comigo. Para evitar, levante sempre com a bunda bem empinada”, depois me explicou minha prima, a solteira descolada.

Tarde demais. Já tinha sido humilhada. Sem conhecer o segredo, tive de ser içada pelo meu casal de amigos. Cada um deles pega em um dos meus braços. Eles levam na brincadeira. Eu nem ligo. Mas é hora de ir embora para evitar vexame. No outro dia, fico rindo sozinha do episódio. E concluo: “Que mico! Justamente eu, que jurava ser a novinha da festa, foi quem perdeu as forças e foi parar, literalmente, no chão.” Zero pra mim. Dez para os vovôs dançarinos.