Na balada brasiliense

Publicado em

Já era fim de festa quando desbravei um caminho entre aquela gente animada até a cadeira que vi ao longe. Parecia um oásis. A adrenalina já tinha baixado e aumentava meu sono e meu cansaço. O medo era sentir tédio e acabar com a festa da amiga que me acompanhava. Com a cerveja na mão, a noite dela prometia muito mais do que a minha.

Passei só a observar: o cara bonito com aliança no dedo que, apesar de dar umas olhadelas para o lado, não aprontou nada que ameaçasse a fidelidade dele. A moça de cabelos compridos e escuros que mordiscou a bochecha do sarado, assim que se esbarraram. Estranhei o descaso dele diante da euforia dela. A bela parecia jogar charme. Ele retribuiu o abraço, mas permaneceu imóvel. Minutos depois, ele continuava parado e ela, aos beijos com uma loira igualmente sensual.

Meu ouvido já ardia. Não era só a música alta que começava a incomodar. Na tentativa de interagirmos, minha amiga tinha que falar ao pé da minha orelha, ou melhor, quase dentro dela. Coçava. Às vezes, concordava com o assunto que não ouvi só para não ter que sentir de novo aquele chiado agudo.

Fazia tempo que eu não enfrentava a noite. Tinha me esquecido de que as filas são os primeiros obstáculos para lutar por um espaço na pista de dança. Se a animação não está a mil, o risco é perder o humor e o tesão antes mesmo de entrar. Por isso, fomos cedo. Melhor comer e beber em paz. Mas também não me lembrava mais de que não existe qualquer tranquilidade em um ambiente escuro e barulhento. Mesmo com o balcão vazio, é preciso gritar para que o garçom nos ouça. Ele nos atende. Um problema a menos!

Faz tempo que não sou adolescente, mas acho que nunca fui exatamente uma. Minha idade cronológica anda em descordo com a minha idade emocional. Ando disposta a experimentar, a conhecer uma Brasília que nunca curti. Aos meus 15 anos, badalação era matinê na boate Scaramouche ou festas na Academia de Tênis. Tinha ainda Carnaval no Iate Clube, animado pelo grupo de nome de gosto duvidoso Batom da Cueca. Música baiana estava no auge. Para dançar, tinha Micarê e Salute Salvador. No último, fui uma vez porque minha mãe não sonhava que era uma festa de axé com dezenas de adolescentes bêbados. Pipoca de micareta, nunca pisei. Em outras baladas, marcava presença esporádica, com hora para ir e para voltar.

Isso para dizer que nunca fui do agito nem nova, que dirá depois de velha. Mas vamos lá! Escolhi um pub famoso para estrear. Redescobri que a lei da física não se aplica a essas boates apertadas. Dois corpos, ou pelo menos dois pés (e um deles não é o seu), são obrigados a dividir o mesmo espaço. A clientela animada chegava louca para beber. Na minha cabeça, era solavanco de ombro, cotovelo e suvaco de gente pedindo bebida no balcão, antes, tão civilizado. Agora, não adiantava mais gritar o garçom. Para ser atendido, era preciso fazer mímicas, empurrar a folgada que entrou na sua frente ou ficar na ponta dos pés para que, pelo menos o topo de sua cabeça, ficasse visível atrás do cara de quase 2m de altura.

A noite não poderia ser ruim. Estava disposta a me divertir. No palco, a banda tocou rock pop dos anos 1990. Letras internacionais e cantores daqui, como Renato Russo e Capital Inicial. O som me animou. O triste era não conseguir me mover. Eu não suava, escorria. Como é possível dançar com alguém quando você parece ter saído de um chuveiro de água salgada?

Sem perder o humor, fomos para o andar de cima. No trajeto, era bundada, bolsada, empurrão… Lá, casais apaixonados te tiram o direito de ser discreto. O jeito é disfarçar que não vê o beijo profundo dos namorados. A faixa etária também me confundiu, De repente, coroas com pinta de garotão encheram o lugar. Nada contra, mas confesso que eu me perguntei aonde devem ir as pessoas da minha idade.

Com o passar das horas, parecia que o som tinha ficado mais alto. Tudo estava mais cheio, os caras mais bêbados e abusados. Ainda há quem se sinta no direito de pegar em você sem te conhecer? Amigo, tira já a mão daí! Mas jurei que não ia perder a graça. Decidi, então, que era hora de ir pra casa.