Provavelmente, quando você começar a ler esta crônica, estarei acertando os últimos detalhes da minha viagem de férias. Embarco amanhã rumo a um destino bem próximo do outro lado do mundo. Vou para a Tailândia, disposta viver as mais inusitadas experiências que me permita o Sudeste Asiático. Além da excentricidade do roteiro, esse passeio é ainda mais especial pela companhia. Enfrentarei quase 30 horas de deslocamento ao lado do homem mais amado da minha vida: o meu pai. Aos 60 anos, ele está entusiasmadíssimo com a chance de fazer a segunda viagem internacional da vida dele. E eu, emocionada por estar a seu lado, privilegiada por compartilhar esse momento.
Com a empolgação de um garoto, vejo meu pai contar as horas para o embarque. Já leu tudo sobre o diferente país que escolhemos; fez lista para não faltar um item sequer na bagagem, e encheu meu coração de alegria quando revelou: “Tô doido para chegar o dia de ir!”
O homem que segue comigo para a Tailândia, já me confessou mais de uma vez que nunca sonhou “em ter um filho em uma universidade ou viajando para o exterior”. Mas ele conseguiu. Viu os três filhos com diploma na mão. Viu o trio embarcar, mais de uma vez, a caminho de diferentes lugares do mundo. Isso lhe orgulha profundamente. A mim também. O homem que tomou coragem de ir comigo para lugar tão distante, não fala uma só palavra em inglês, mas garantiu que eu estudasse não só a língua inglesa, como também espanhol e francês.
Mineiro do interior, meu pai é o segundo filho entre 10 irmãos. Nasceu em berço humilde e repetiu a sina de tantos outros daquela época: deixou pais, irmãos e terra natal para trás ainda adolescente. Foi tentar a vida em outro lugar. Foi quando escolheu Brasília.
Meu pai é dos brasileiros que passaram a vida trabalhando duro. Todo salário era destinado ao bem-estar da família. Nos deu o melhor que podia, mas férias internacionais só fomos curtir depois que cada um pôde pagar as próprias contas. Ele mesmo, em época que tinha que sustentar sozinho a esposa e filhos, abriu a mão do descanso, inúmeras vezes, para garantir dinheiro extra. A nós, restava passar o recesso e as festas de fim de ano na casa de minha avó, também mineira, longe dele.
Mais do que a realização de visitar uma cultura tão exótica e diferente da minha, mais extraordinário é tê-lo como parceiro nessa empreitada. Ainda pequena, eu o via trabalhar tanto e dizia que, quando crescida fosse, ganharia muito dinheiro para presenteá-lo com uma viagem para a França. O destino eu escolhi, não me pergunte o porquê. Cresci, comecei a ter salário próprio, mas meu pai não precisou que eu lhe pagasse uma viagem. O esforço dele, de uma vida de labuta, realizou a possibilidade de ele mesmo poder viajar quando aposentado. Para mim, felicidade maior não existe de reconhecê-lo como vitorioso e compartilhar essa conquista.
Meu pai não quis ir à França. Não agora, pelo menos. O homem que cresceu em uma pequena cidade mineira, tem espírito aventureiro e desbravador. Personalidade livre que, por anos, estava presa pelas obrigações cabíveis a um pai de família. Agora está liberta e vamos voar juntos. Quando conto sobre meus projetos da viagem em companhia paterna, algumas pessoas me perguntam, surpresas: “Por que você vai levar seu pai para tão longe?”. Não sou eu quem vai levá-lo. É justamente o contrário. O esforço da vida dele em me transformar em uma profissional é o que me permite realizar esse projeto. Além disso, o que temos de diferença física, temos de semelhança na personalidade e na forma de ver a vida. Não herdei os olhos verdes dele, mas ganhei a sede de experimentar que ele carrega. Gostamos do que não é óbvio. Nosso sonho porém, é o pesadelo da minha mãe. Ela nem cogitou enfrentar a aventura distante. Morre de medo de avião. Acha que somos dois loucos irresponsáveis. Meus irmãos também declinaram o convite. Então, vamos nós: pai e filha.
Arrisco a dizer que serão as férias mais inesquecíveis da minha vida. Terei 11 dias ao lado daquele que me ensinou a ter gosto pela vida. É ele quem me diz todas as vezes que me preocupo com tamanha extravagância financeira, em momento que a economia do país desaba: “Aproveite enquanto você pode, tem dinheiro e saúde”. Foi ele quem me ensinou que o dia de amanhã ninguém sabe, então, resta desfrutar o agora e “pra já!” Ele também é quem me tranquiliza quando a rotina me tira o sono. Para ele, “tudo tem sempre um jeito, menos para a morte”. E quando essa chegar, para um de nós dois, quem ficar manterá viva, para sempre, a lembrança deste passeio que começa em poucas horas.
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