Quando comentei com um amigo que comecei a fazer aula de patinação e, finalmente, estava realizando um sonho de criança, ele, sem qualquer entusiasmo, respondeu: “Alguns sonhos a gente deixa na infância!” Não me aborreci com a insossa recomendação, pois, assim como ele, muitos realmente acreditam que crescer é se despedir, definitivamente, do menino ou da menina que fomos um dia.
Ao contrário, quanto mais velha fico, mais certeza eu tenho de que amadurecer é sinônimo de uma convivência pacífica entre a mulher que me tornei e a garota que um dia fui, ou mesmo, aquela não pude ser.
No caso, a minha inabilidade com os patins é resultado da preocupação excessiva dos meus pais. Por causa da chance de eu me estatelar no chão, quebrar os ossos e a cabeça, eles preferiram não romper o próprio juízo. Patins era, então, brincadeira proibida em minha casa.
Não cresci frustrada, mas nunca silenciei o desejo de deslizar em cima de quatro rodas. Até que fiquei grandinha o suficiente para não precisar da autorização dos meus pais para sair por aí patinando. Foi quando me deparei com cerceamento ainda maior do que o deles: o meu próprio.
O medo de cair e ficar afastada do trabalho; o medo de passar pelo vexame de me estabacar com o desajeito de quem não tem mais a leveza do corpo nem da alma de uma criança, que pouco se importa com os tombos; o medo de não conseguir; o medo que paralisa as pernas e rouba nossas pequenas vitórias. Como meu amigo, então, a gente acaba por deixar para trás os sonhos de quando éramos pequenos grandes aventureiros.
Mas eu decidi pagar o mico, sentir as pernas doerem por tensão em cima de uma bota de desliza. Ao meu lado, um médico, um professor de literatura e uma funcionária pública, que deixaram a infância há pouco mais de tempo do que eu, andamos como robôs, travados pelo pânico, pela ansiedade e pelo excesso de equipamento de proteção – isso é o bom senso que traz a idade, ainda bem!
Cada um de nós teve uma razão para aprender esse esporte depois de grandes. Cada um de nós tem uma motivação hoje para persistir em realizar esse feito. Em comum, todos nós somos sortudos em nos permitir acolher nosso menino ou menina e deixá-los se divertirem.
Claro que já caí, obviamente pensei em desistir, mas não! Sigo com meu grupo de gente crescida que tem o aval mais importante para fazer o que bem entender: a autopermissão. Que privilégio! Afinal, como diria o Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry: “As pessoas grandes não entendem nada sozinhas”. Por isso, tem horas que é preciso convidar a sua criança interna a vir à tona e deixar a vida mais divertida. Foi o que fiz. É o que eu e meus companheiros estamos fazendo.
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