Quando me disseram que o cavalo espelha os mais ocultos sentimentos do bicho homem, desconfiei por puro desconhecimento da causa. Convenceram-me de que era como reflexo na água. Ele absorve seu estado de espírito e reage com equivalência.
Curiosa, aceitei o desafio de passar um fim de semana fazendo o coaching que usa esses belos animais como ferramenta de autoconhecimento. Foi quando eles me falaram por relinchos algo que não escutamos pela voz da consciência humana.
Fui apresentada a Ventania: o cavalo de comportamento amistoso, que trabalha com equoterapia para crianças. De pelo preto, com porte chamativo, era, sem dúvidas, o mais marrento daquela tímida tropa.
O desafio era escolher um deles e conduzi-lo calmamente por um rápido passeio. Ventania foi com uma, com duas e três outras pessoas. Na minha vez, o bicho literalmente empacou. Docilmente, ele negava minhas investidas para que me acompanhasse em alguns passos.
Eu fazia carinho. Nada. Dava uns tapas no seu lombo. Nada. Ralhava. Era ainda pior. Falava em tom suave. Nem bola. Pesado, não afastava a perna. Eu me aproximava, ele desvencilhava. Por vezes, levantava a cabeça cheio de si, sabedor de sua força. Abria a boca a ponto de mostrar os enormes dentes. Ele não ia me morder, mas tenho certeza de que ria de mim.
Até que desisti. Estava exausta de insistir. Deixei Ventania de lado, com a sensação de frustração. Pela hípica, fui conhecer outros cavalos. Dessa vez, os competidores, que não seriam tão receptivos ao toque e afeto dos desconhecidos.
Foi quando fui apresentada a Súdito, o cavalo de pelos completamente brancos, crina farta e esvoaçante. Ele trotava com elegância de majestade, contradizendo o nome com o qual lhe batizaram. Bem mais corpulento que o ranzinza Ventania, tive medo de me aproximar. Mas ele veio até mim. Acostumado a ser súdito por algumas vezes, me deixou montá-lo. Também conduzi-lo. Eu estava orgulhosa do meu feito.
Foi quando me toquei de que Ventania e sua rebeldia tinham me ensinado a mais preciosa lição dessa experiência, e o agradeci por não ter cedido. Quantas vezes na vida insistimos em trazer para nosso lado o cavalo que refuga diante de nossos encantos e desejos?
Gastamos energia, nos decepcionamos, nos culpamos. O que parece persistência e determinação, no entanto, fecha nossos olhos e nos rouba novas possibilidades. Se eu tivesse perdido mais tempo com Ventania, não teria me deparado com Súdito, mais belo, mais dócil e mais afeito a meus carinhos. E assim é a vida: enquanto insistirmos com ventanias, não teremos o prazer de desfrutar da companhia da nobreza disfarçada de vassalo.
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