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Extrovetida, eu. Tímidos, vocês.

Dia desses promovi um encontro entre duas pessoas por quem nutro especial admiração e afeto. A conversa entre ambos fluiu em tom agradabilíssimo, com gestos de gentileza mútua. Fim da noite, selada uma possível amizade. Ufa! Para mim, desfecho perfeito.

Mal eu desconfiava o turbilhão, e aí talvez eu apimente a definição por apreço aos exageros, que meus amigos contenham internamente diante de um desconhecido. Ela domava a timidez com suavidade de excelente anfitriã e os bons resultados da terapia. Ele, com doses de vinho e a delicadeza de um nobre convidado. Ambos me confessaram que sobreviviam, há décadas, à timidez.

Passei os dias seguintes com o tema martelando na minha mente. Nasci querendo chamar a atenção e não conseguia entender como alguém tinha medo justamente de ser o centro dela. Queria saber que sentimento é esse que rouba o conforto diante de uma situação nova. “É estar o todo o tempo preocupado com os julgamentos. Como se o olhar do outro te colocasse em uma espécie de paredão de fuzilamento”, me definiu um deles.

Eu nunca poderia supor que um jantar tão agradável, na verdade, era uma tácita guerra interna. Até que conclui que eu também fazia parte dessa batalha. Pertencente ao grupo dos extrovertidos, na verdade, eu, igualmente, me preocupava em como obter honrarias ao fim da luta.

Caros amigos tímidos, vamos nos dar as mãos e fazer terapia em grupo. Aparecidos também sofrem. Diante de tímidos, os desinibidos sucumbem com a possibilidade de que o silêncio do introvetido seja sinal de desagrado e de rejeição. Enquanto eles querem se tornar invisíveis, gente como a gente se esforça mesmo para fazer ruído.

Mas isso provoca culpa. E se tivermos incomodando? Difícil dosar. Gente extrovertida ocupa demasiado espaço. Como pavões, abrimos o leque de penas e espanamos tudo à volta.

Gente extrovetida rouba oxigênio dos mais contidos e não há qualquer mérito em sufocar o próximo. Chega a ser pecado. Em um grupo, viramos polvos, com tentáculos nervosos para acudir diversas situações: rir da piada, ser o motivo dela, não deixar a conversa morrer, elogiar a comida e servir mais bebida. Nesse movimento apavorado, provocamos trapalhadas, situações embaraçosas, perdemos a medida do quanto falamos e do quanto nos expomos.

Tímidos, você não estão sozinhos. Padecemos do mesmo mal de aprovação. Por medo de parecerem desinteressantes, vocês se calam. Nós, nos tornamos verborrágicos. Combinamos assim no próximo encontro: eu acalento meus temores com o silêncio de vocês, e vocês se permitam a entrar no ritmo do meu barulho.

Escreva: fsduarte@hotmail.com

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Flávia Duarte

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Flávia Duarte

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