Categories: Sem categoria

Eu não me canso dos ipês

Está aberta a temporada de ipês. Eu definiria essas árvores como sendo o clichê menos enfadonho de Brasília. Sim, porque, como parte do ciclo da natureza, eles brotam e colorem a capital das mesmas cores, no mesmo período, todos os anos.
É a repetição mais original trazida pelo início da seca. Ainda que presença certa, os ipês são esperados com igual ansiedade a cada estação. Não perdem o charme, não desapontam e atraem os mesmos olhares, ainda que conhecidos, mas não menos surpreendidos.
E eles não aparecem sozinhos. Mesmo que soberanos em uma paisagem ressequida, a beleza dessas árvores — que exibem flores em cachos, de cores vistosas — é exaltada pela questionável feiura das plantas mirradas do cerrado.
Os ipês ficam ainda altivos ao lado de árvores que hibernam em forma de seu próprio esqueleto. Seus galhos aparentemente mortos, retorcidos, sem flores, sem folhas, se recolhem para dar espaço à exuberância dos ipês em tons de roxo, rosa, amarelo ou branco.
Na paisagem desértica, eles ganham ainda mais destaque, o que me faz pensar que a natureza é mesmo um belo exemplo de equilíbrio. Se brotassem todos juntos, teriam que dividir a majestade. Em apresentação solo, viram reis absolutos, para os quais se dirigem aplausos, flashes, sorrisos e agradecimentos pela beleza da vida.
Apesar das aparições predefinidas, a presença dos ipês têm começo, meio e fim. Não se esbarra com eles o ano todo, em qualquer lugar. Aliás, a planta símbolo do Brasil — e arriscaria dizer de Brasília — tem algumas de suas espécies restritas a nosso continente.Por isso se tornam tão especiais.
É beleza que se admira eventualmente, razão pela qual, tão esperada. Se fossem aos montes, se não dividissem espaço com generosa vegetação que se torna invisível para não lhes roubar a cena, talvez os ipês passassem despercebidos. Excesso é veneno para a magia. Sábios os ipês.
Daí serem clichês que não cansam. Assim como outros tantos esperados pela vida, como bolo de aniversário, buquê lançado ao fim da festa de casamento e promessa insana de amor eterno feita pela paixão. Roteiros que se repetem para temperar de graça a nossa rotina, essa sim, muitas vezes fastidiosa.
Escreva: fsduarte@hotmail.com
Facebook: (In) Confidências
Flávia Duarte

Share
Published by
Flávia Duarte

Recent Posts

Nossa morte de cada dia

“A morte é um dia que vale a pena viver". Esse é o brilhante título…

2 anos ago

Despeça-se do “para sempre”

Sempre fui avessa a despedidas. Nascida em Brasília, não conheço outra realidade que não a…

2 anos ago

Quanto custa o amor?

No livro Ostra feliz não faz pérola, Rubem Alves escreveu que "o amor é algo que…

2 anos ago

Nós: produtos exclusivos

Dizem que bebês deveriam nascer com manual de instruções anexado. Colado na bunda ou escrito…

2 anos ago

Eterno porque não durou

  Uma vez li um texto de um escritor porto-riquenho — cujo talento merecia que…

2 anos ago

Dia das solteiras

Um dia dedicado a quem namora. E dia de Santo para quem busca um namorado.…

2 anos ago