Minha avó nunca envelheceu. A meus olhos, ao menos. Desde que nasci, ela sempre teve muitos anos, especialmente se considerada a nossa diferença de idade.
Ela sempre foi a senhora de hábitos simples, sem grandes sonhos ou devaneios. Dona de uma história de luta e superação. Jovem viúva, criou sete filhos sozinha, com pouco dinheiro e muita fibra. Nunca se queixou da própria sorte, porém.
Paixão mesmo sempre teve pelos pássaros, os quais cuida com zelo de uma mãe. Orgulho só exibe diante das vistosas samambaias choronas, e exibicionismo demonstra apenas quando alguém visita seu impecável quintal, com pés de couve e a pitangueira que o ocupam o mesmo espaço de terra, em um mapa idêntico ao que tenho registrado na memória de criança.
Há 36 anos, desde que fomos apresentadas, ela mantém o mesmo corte de cabelo e se veste com igual modelo de vestido: de saia abaixo do joelho, botões no peito e uma golinha de camisa. Os pés só se acomodam em chinela de dedos de borracha. Devo tê-la visto calçando sapatos menos vezes do que o número de dedos que tenho nas mãos. Sou capaz de me lembrar do cheiro dela, de sabonete phebo preto ou francis branco, mas nunca a vi usar perfume importado, colorir a boca com batom ou pintar o rosto com pós.
Ela pode até ter ganhado algumas rugas e mais fios brancos ao longo desses anos, mas minha criança sequer notou. Também desconfio que ela já não caminha com tanta agilidade e algumas palavras escapam à perspicácia do ouvido com 87 anos em serviço. Ainda assim, conserva inalterado o gosto pela televisão. Diante da tela, continua a descansar depois do almoço e a cochilar antes de dormir, como sempre foi.
Nesses anos que nos conhecemos, trocou de ídolos mais de uma vez. Já não ouve mais Chitãozinho e Xororó, e cortou a estreita relação que tinha com Silvio Santos. Mas nunca perdeu o talento na cozinha e o tempero mineiro que tornam incomparáveis a maionese de batata e a macarronada de domingo feitos por ela.
A imutabilidade da aparência e da rotina de minha avó me devolvem o passado. A casa que ela mora é a mesma. Sei onde ela guarda cada coisa. Está ali a colcha de retalhos que me cobria quando eu tinha pouca idade. Até os enfeites permanecem no mesmo lugar. Os que se romperam por acidente ou estragaram por efeito do tempo foram recuperados pela habilidade reparadora dela.
Minha avó tem o poder de restituir a vida aos badulaques e também de trazer de volta o tempo. Ela me presentea com alguns dos melhores momentos da minha vida, competência que pertence somente às vovós: a de nos tornar eternas crianças.
Escreva: fsduarte@hotmail.com
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