Apesar de uma resistência interna, tenho feito um exercício quase diário de abrir a mão e soltar coisas, pessoas e fatos. Meu desapego decretado começa pelas roupas que já não me servem mais, mas que eu guardava na esperança de perder as formas que interrompem o natural fluxo da subida do fecho da calça. O sapato que machuca; o vestido que exibe o que não me interessa tornar público; a blusa amassa meu corpo. Deixo ir.
O mesmo vale para as pessoas. Guardo no coração todos com quem compartilhei bons, e também os maus momentos, mas é chegada a hora de permitir que uns sigam seu próprio caminho. Gratidão pelo encontro, mas a porta está aberta: podem ir. Dá medo perder, de se arrepender, mas nós também devemos seguir novas rotas, esbarrar com novos sorrisos, dividir novos pensamentos, aprender a lidar com gênios mais dóceis e com personalidades ainda mais difíceis do que a sua.
O que exige muito esforço para o encaixe não é seu. Deixe ir. O nosso chega suave e só se acomoda. É preciso acreditar. Sempre defendi essa tese e nunca precisei de guru para reforçá-la. Não importa se em Deus, no Universo, nos orixás, na sua intuição, nas mônadas, nos gnomos, nas bruxas ou em seres de outros planeta – ou no que faça sentido para você –, mas creia que tudo na vida tem um ciclo, não importa a crença.
Tem horas que é preciso deixar para trás e só se entregar à sorte, ao destino, ao merecimento e confiar que o melhor ainda está por vir. Sei que não é um exercício fácil, mas se pensarmos bem, fazemos a nossa parte e o resto acontece como nós queremos ou não, sem controle. Então, deixe fluir.
Se nada disso te convencer, escute atentamente a provocação da artista mexicana Frida Kahlo. Ela foi sábia quando decretou: “Onde não puderes amar, não te demores!” É exatamente isso! Em um realidade de incertezas, use o coração como bússola. O que faz você ter vontade de levantar todos os dias na cama? Quem te tira um sorriso ou rouba seu sono antes de um encontro? Qual ausência é a mais presente na sua vida? Eu quero amar meu trabalho, quero estar pertos dos amigos que escolhi. Quero um amor maior do que uma companhia acomodada, fria, ainda que costumeira. Não quero. Pode ir!
Acredito na sabedoria do ritmo cardíaco. Se ele esmorece, é hora de procurar o que o acelera. A vida é muito passageira e precisa ter propósito. Isso não é frase de autoajuda. Basta olhar para o lado. Um vírus que chega e arranca pessoas, sonhos, a saúde de milhares. Uma reposta da natureza oprimida que deixa claro quem manda de verdade neste planeta e arrasta com a água gente amada e seus bens materiais. Um furação e o vento veloz chega e só deixa poeira. Sobra você e o que importa: a ferramenta de orientação que funciona no seu peito.
Não temos nada, exceto o que nos faz sentido. Não importa o quanto você ganha de dinheiro, quantos seguidores você soma nas redes sociais, o tamanho da sua casa, a beleza do seu companheiro. Troque isso pelo prazer de explorar um talento profissional; pelo poucos amigos de carne, osso e presença; pelo endereço que te traga paz e pelo amor que sossegue sua alma. O resto, dispense!
O que não nos acrescenta é só mais coleção acumulada pelo medo e pelo apego. Sem uma bela faxina de coragem, não sobra espaço para o novo, para a emoção, para o que importa. Lugar ocupado, não deixa vaga para o que deve realmente chegar.
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